O discurso “Feliciano não me representa” tem sido o brasão das redes sociais há um bom
tempo. Vejo várias postagens das mais criativas formas, vejo artistas
mobilizados para protestar contra o mesmo, vejo uma infinidade de
compartilhamentos de tudo que aparece a esse respeito, mas isso tudo me entristece.
Não que eu concorde em alguma coisa com as atitudes
repugnantes e discriminatórias de quem deveria defender os direitos humanos,
muito pelo contrário, tenho total repulsa a esse senhor. O que me deixa triste
é ver o quão inacreditavelmente as pessoas são manipuladas.
Digo isso pelo seguinte: no exato momento que a notícia de
que Feliciano renunciaria se os petistas condenados saíssem também, vi os
comentários de muitas pessoas na minha timeline simplesmente desaparecerem.
Agora, como posso eu criticar um dito criminoso e defender outros? Não estaria
eu, seguindo essa linha de raciocínio, sendo hipócrita?
Não quero que isso fique registrado como um posicionamento
partidário, porque não é. Mas me chamou muito atenção por ver pessoas que se
dizem “ativistas” simplesmente calarem os dedos.
Enquanto posta-se vídeos de pregações falando que John
Lennon foi assassinado pela vontade de Deus (o que me deixa profundamente e
particularmente indignada) ou que Caetano fez pacto com o Diabo para fazer sucesso...enquanto
se compartilham centenas de montagens criticando o valor do tomate, deixa-se de
prestar atenção na questão da PEC 37, que caso seja aprovada, acarretará em um
retrocesso “nunca visto antes na história desse país” – com o perdão do
trocadinho. Em resumo, ela transfere um poder de investigação que hoje é do
Ministério Público no que diz respeito aos nossos queridos políticos, entregando-o de bandeja para a força policial, olha que lindo. Se, e apenas SE as
corporações fossem confiáveis, as pessoas não se corrompessem com tanta
facilidade e as mazelas políticas não falassem mais alto que qualquer outra
coisa no Brasil il il, isso TALVEZ desse certo, mas qualquer pessoa – por mais
alienada que seja – consegue vislumbrar a catástrofe que isso representa.
Se hoje a impunidade já toma café na cozinha de Brasília (e
de todo o resto do país), com a aprovação da PEC 37 ela entrará, deixará o
sapato atirado na sala, colocará o pé em cima da mesinha e pedirá pro povo
(sim, eu e você) servir um cafezinho.
Não quero, com isso, dizer que as manifestações não são
válidas, muito pelo contrário, é esse o caminho. Mas é preciso que pare de se comprar
o que a mídia vende e se preste atenção no que realmente acontece.
O que parece na repercussão e mobilização com a questão
do Feliciano é, metaforicamente falando, aquela brincadeira de “olha lá um
avião...hahaha...peguei seu lanche”. Precisamos evitar que nossos olhares sejam
desviados do que realmente interessa.
Vamos reclamar sim que haja uma pessoa descente defendendo
os direitos humanos, assim como reivindiquemos que um médico seja ministro da
saúde, um professor ministro da educação, um administrador/gestor seja ministro
do esporte, o ficha limpa seja definitivamente aplicado e não tenhamos
mensaleiros (de partido nenhum) nos representando, partidos (inclusive o
partido da presidência) não declarem em manifestos pela internet apoio a
situações delicadíssimas de hostilidade entre outros países (e que quando o fizerem, assumam), dinheiro da união
não vá para o exterior em forma de empréstimo para quem quer que seja e nem auxilie bilionários enquanto
o povo é assolado por falta de estrutura na saúde/educação/segurança/saneamento
básico/mobilidade urbana, etc., o tomate não seja o foco e sim a inflação
descontrolada, Malafaia não ganhe prêmios, vagas em escolas e hospitais sejam
mais importantes que vagas em estádios para Copa do Mundo e pessoas com
formação superior sejam regra (e não exceção) – pois é só em um universo de
profissionais educados e capacitados que o Brasil pode sonhar em ser diferente.
Tenho certeza que, em algum lugar, já postei a música Perfeição (Legião Urbana) devido ao seu conteúdo político, analítico e realista, mas deixo-a aqui novamente para lembrarmos que a mesma foi composta há duas décadas e ainda é atual, infelizmente.
Vamos reivindicar, reclamar, gritar – por que não? – pelo todo.
Enquanto o todo não for atendido, a parte não enxergará solução.
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