segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

E é findo 2010...

Alguém mais, além de mim, fica com uma mania de análise quando chega o final do ano? Sabem aquela velha história de definir metas, dar continuidade aos projetos que tiveram êxito, corrigir o que não deu certo, fazer novos planos, enfim... Acho que tudo isso mexe com a cabeça da gente.

Lembro de quando estava atuando em sala de aula. Eu só conseguia fazer essa reflexão no começo de Dezembro, porque até o fim de Novembro era tudo muito corrido: finalização de projetos, elaboração das avaliações descritivas semestrais (muitas, mas muitas avaliações), preparação da festa de encerramento, enfim, uma empreitada. Mas passado tudo isso, normalmente no decorrer do mês de Dezembro, sempre gostei de avaliar – particular e coletivamente – o ano que se passou.

Claro, como praticamente todo mundo, pratico isso na minha particularidade, mas aqui quero falar da sala de aula. Eu trabalhava com a Jornada Ampliada II – minha maior paixão – e como a turma tinha crianças e adolescentes de dez a catorze anos, no próximo ano a maioria dos alunos estaria comigo outra vez, o que tornava nossas avaliações muito produtivas.

Nesses momentos de pura e descontraída conversa surgiram vários dos mais interessantes projetos que desenvolvemos. Sempre arquivei todo o trabalho dos alunos, desde maquetes até gráficos em alto relevo, textos, cartazes, enfim. E Dezembro era o mês de estender tudo no chão da sala e observar, sem cerimônias.

Como meus alunos a meu exemplo eram, em sua maioria, extremamente críticos, ouvi deles várias vezes um “nossa, que chato isso, não sei como terminamos”. E outras vezes um “ai profe, podíamos fazer isso todo ano, é tão legal.” Todas essas observações eram anotadas por mim com muito cuidado e precisão, para que os anos se seguissem cada vez melhores, mais produtivos.

Mas sabem o que era interessante? Por mais que eu adequasse os projetos aos assuntos e metodologias que eles gostavam, pensando que no final do ano a avaliação seria 100% positiva, sempre tinha alguém que fazia alguma crítica a algum trabalho, e quando eu observava a crítica não era infundada, muito pelo contrário.

Algumas vezes eu chegava a me frustrar, pois pensava não conseguir captar a necessidade dos meus alunos, mas quando eu analisava o resultado final, o quanto amadureciam e evoluíam no decorrer do ano, percebia que trabalhávamos bem: eu com eles, e eles comigo.

Foi quando em um determinado momento tive um epitáfio – adoro epitáfios – e entendi finalmente o porquê das críticas. E o mais engraçado é que elas aconteciam devido a uma das coisas que mais amo na educação: sua dinâmica.

Por mais que eu corrigisse para o ano seguinte o que os alunos pontuavam, sempre teria alguma atividade ou algum projeto que não agradaria, pois a cabeça dos alunos muda, o contexto muda, a minha postura muda, a deles também, e assim por diante.

Não quero dizer com isso que as avaliações não são válidas, muito pelo contrário, além de contribuírem para o crescimento profissional do professor, desenvolvem um senso crítico e poder de avaliação fantástico nos alunos.

Esse ano que passei fora da sala de aula, me fez lembrar da rotina do professor durante várias situações, mas nenhuma com tanta clareza quanto Dezembro. Isso não é nenhuma visão de Poliana nem nada, sei que a rotina da sala de aula é exaustiva e que quando essa época do ano chega os professores estão cansados, esgotados, estressados, etc. Mas não tem como não reconhecer que é uma data onde, se tiver realizado um bom trabalho, o professor olha para trás e vê que seu esgotamento é totalmente justificável, pois crianças e adolescente já não são os mesmos que eram no começo do ano. Cresceram, amadureceram, aprenderam muito, graças ao trabalho de formiguinha realizado pelos bravos mestres.

Por tudo isso, que cada um aproveite esse momento da melhor forma possível, e desde já, um Feliz Natal e um Ano Novo repleto de realizações, projetos e conquistas a todos nós.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Tráfico educacional?

Não tem nem como usar um meio termo para o assunto de hoje, é simplesmente estarrecedor. O Zero Hora – jornal de grande circulação em Porto Alegre - dominical de 12 de Dezembro de 2010 trouxe a tona uma questão que de tão absurda chega a ser surreal: a venda, sim, VENDA de trabalhos escolares por professores particulares.

A reportagem “negociou” com professores um suposto trabalho de matemática para a 7ª série, e a surpresa foi que de oito professores, cinco aceitaram a missão. A negociação ocorre de forma tão natural que chega a ser assustadora. Os professores em momento algum cogitaram dar aulas para ensinarem o conteúdo que o suposto aluno teria dificuldade. Muito pelo contrário, deram dicas e sugestões que mostra o quão comum é, em sua rotina, tal absurdo. Um trecho da entrevista mostra claramente a estratégia: “Vou fazer como se fosse aluno. Vou fazer bem como se ele tivesse envolvido, até que nem posso fazer isso, né? Teria de dar aula e ele fazer”. Ainda aconselham a passar o trabalho a limpo, para não gerar suspeita.

Agora, como explicar isso?

Na própria matéria apresentada pelo jornal, uma profissional da educação afirma que tal ato se deve a estrutura falha do sistema de reprovação, gerando este uma sensação de fracasso e derrota. Ok, eu até concordo. Mas há como eximir de responsabilidades esses professores? E os pais?

Não, não tem como. Independente do sistema de reprovação ser falho, do próprio sistema educacional ser sucateado, enfim, do contexto não ser nada favorável, nada justifica professores que deveriam ENSINAR, orientar, honrar a proposta que fizeram ao assumir essa missão, se tornarem traficantes de conhecimento. É uma atitude tão desprezível que não consigo encontrar nenhum adjetivo para nomeá-la. Só tenho uma esperança: que isso seja punido com a severidade merecida.

Agora, falando dos pais: COMO ASSIM? Que espécie de pai compra um trabalho de final de ano assegurando que o filho passe de ano, mas não se preocupando em absoluto com o conhecimento adquirido e com o crescimento como aluno e como pessoa. E vou mais longe: que tipo de exemplo esses pais deram aos seus filhos ao tomar tal atitude? Fernando Becker, doutor em Psicologia Infantil e professor da UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul - declara que esses pais estão ensinando os filhos a delinquir. De acordo com ele, “Desse jeito, os filhos podem pensar assim: posso faturar uma grana fácil vendendo droga, por que não? É o extremo oposto de qualquer processo educacional. Quando um pai chega a esse nível, já tem um longo trajeto de concessões e de falta de atitudes enérgicas e de moral”.

É exatamente nesse ponto que eu queria chegar. Nessa situação o contexto problemático da educação no Brasil é extremamente secundário. O que vejo por parte dos professores é um oportunismo desmedido de pessoas sem nenhuma ética profissional nem respeito por nada nem por ninguém, e pelos pais um desespero por atingir os fins sem justificar os meios.

Isso é o retrato de uma sociedade que não dá importância ao trabalho, e sim ao resultado. A reprovação é um sistema que precisa ser revisto? Com toda certeza. Mas de que adianta pais lançarem os seus filhos para uma próxima série pelo simples fato de não ter um filho reprovado, sem este ter o conhecimento necessário? E digo mais: onde estavam esses pais na hora de fazer o dever de casa, acompanhar desempenho, participar de reuniões, conversar com professores, questionar coordenação, enfim, viver junto com seus filhos os desafios da vida escolar?

Sempre questiono e critico a educação no Brasil, porque de fato é uma das maiores deficiências do país, mas nesse caso não posso deixar de salientar o quão estarrecedoras foram as atitudes de professores e pais, e o quanto essas atitudes, infelizmente, terão um reflexo extremamente negativo sob os alunos e filhos.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Bullying. A hora de falar é agora. Fale você também.

Motivada por uma campanha interessantíssima promovida pelo programa global Altas Horas intitulada “Bullying. A hora de falar é agora. Fale você também.” quero escrever hoje sobre isso. Por ser um assunto recente, pouco se sabe ou se é divulgado a seu respeito, mas é um problema tão sério que precisa, imediatamente, virar pauta em toda e qualquer discussão educacional e social.

O bullying começou a ser pesquisado há aproximadamente 10 anos na Inglaterra, quando se constatou que o mesmo tipo de prática discriminatória e intimidadora estava por trás de grande parte das tentativas de suicídio entre adolescentes. Depois de iniciada, essa pesquisa percorreu o mundo e infelizmente constatou-se que acontece em todos os lugares de formas muito parecidas.

Bullying quer dizer, de forma geral, intimidação. Mas é muito importante não considerar apenas como uma palavra estrangeira que significa intimidação, mas sim identificar essa expressão como uma patologia social e a expressão da crescente violência escolar. As vítimas dessa prática são intimidadas, humilhadas, agredidas, enfim, aterrorizadas, e apesar de estar presente em qualquer ambiente e poder acontecer com qualquer pessoa, o local que mais acontece é na escola. Estudos da Abrapia (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência) revelam que aproximadamente 30% dos estudantes brasileiros já sofreram algum tipo de bullying.

Ele permeia dois universos, o do agressor; que é sempre uma pessoa ou grupo que se sente superior, e o da vitima; que normalmente tem baixa autoestima e é retraída tanto na escola quanto no lar. Pode acontecer de diversas formas, desde boatos espalhados ridicularizando a vítima, agressões verbais, ameaças, exclusão social, até a violência propriamente dita.


E com a febre crescente de sites de relacionamentos e redes sociais, o cyberbullying tem crescido de maneira assustadora. Essa agressão se dá na internet, normalmente em forma de difamação ou incitação de violência. Um caso muito falado na época das eleições foi bullying não com uma pessoa, e sim com um grupo: o caso da estudante de direito que declarou “faça um bem a São Paulo, mate um nordestino”.

Como o principal local é a escola, os professores e a coordenação tem papel fundamental no controle severo dessa prática abominável. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, muitos pais de vítimas processaram as famílias dos agressores e a escola, por não ter evitado ou denunciado a prática, e isso fez com que as instituições se tornassem extremamente severas e intolerantes com qualquer indício de bullying.


As conseqüências dessa prática são muito sérias, e apesar da maioria das pessoas associar isso aos assassinatos em massa seguidos de suicídios nas escolas ou suicídios adolescentes propriamente ditos, esse não é o pior problema. Explico: as tragédias noticiadas acontecem com uma minoria ínfima de vítimas. É horrível? Claro que sim, mas para cada suicida existem milhões de pessoas que sofrem caladas, e esse é o maior problema. Dificilmente uma vítima de bullying denuncia ou se manifesta de qualquer forma, alimentando assim o sentimento de desespero crescente. A consequência disso é o indivíduo se tornar cada vez mais introspectivo, fechado, omisso, depressivo, enfim, é praticamente como ceifar uma vida.

Infelizmente, como tudo que é relativamente novo, o bullying não tem uma legislação específica que o condene. Alguns estados, como o Rio de Janeiro, já esboçaram normativas punitivas a quem pratica, no entanto não há nada presente, por exemplo, na Constituição, a não ser a adequação de leis que defendem a integridade do ser humano, a garantia do seu bem estar, assim por diante.


É preciso que a sociedade como um todo mas principalmente nós, professores, nos tornemos cada vez mais sabedores de como constatar o bullying, denunciar o agressor e respaldar a vítima, para que essa violência não vire uma epidemia e seja passada de geração em geração, em um mundo onde a vítima de hoje é o algoz de amanhã.