sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Uma réstia de luz...

Essa semana uma amiga me marcou em um vídeo que está rolando na rede. Joguei o nome da pessoa que o protagoniza – Eduardo Marinho – no Google e o primeiro link que aparece já traz a seguinte informação: filósofo de rua. Já gostei!

Transcrevo alguns trechos do que ele falou porque são coisas que tenho – há bastante tempo – pensado muito, mas muito mesmo.

Já começa bem: “Se você buscar um prazer em viver você já está sendo revolucionário, se você não aceitar um trabalho que te sacrifique você já está sendo revolucionário, se você conseguir criar seus valores você está sendo um super revolucionário”. É tipo aquela frase de George Orwell que fala que “Em tempos de embustes universais, dizer a verdade se torna um ato revolucionário”.

Momentos depois ele – o filosofo de rua – fala o seguinte: “Eu ganhei uma paz enorme quando eu disse: “não quero vencer na vida, eu quero viver”. Essa ideia de vencer na vida é um inferno, coloca meus irmãos como meus adversários, meus inimigos. Existem atitudes melhores do que atitudes, ideias melhores que ideias, mas pessoas melhores que pessoas não tem”.

E quase ao fim ele diz que “Se eu tive acesso a uma universidade e a conhecimentos que são negados a uma maioria eu tenho uma dívida com essa maioria, e não um sentimento de superioridade”.

Independente de quem ele é ou de onde ele veio, só pelo fato de ter sido o proclamador dessas ideias já tem minha atenção. Como preciso, como sinto necessidade de ouvir mais discursos assim. Como falta na vida alguém que entenda que a sociedade precisa de mais humanidade. Como faltam no mundo pessoas que pisem um pouquinho no freio das questões econômicas e enfiem o pé no acelerador das questões sociais. Pessoas não são números nem estatísticas. Pessoas são pessoas. Pessoas precisam viver.

Como falta alguém que mude o discurso de “o Brasil está em crise agora porque ficou sustentando vagabundo com o dinheiro de quem trabalha, e o dinheiro acabou” para “que bom que durante mais de uma década foi olhado para uma grande parcela marginalizada da população e hoje, apesar da crise, eles começaram a ter oportunidade de ajudar a construir um país menos desigual”.

Há algum tempo um querido ex-professor e eterno amigo indicou-me um documentário chamado Human, disse que eu tinha que assistir. Nem questionei, fui direto. Bendita hora que lhe dei ouvidos. Assisti a todos os volumes (I, II e III), um atrás do outro. Chorei muito, me emocionei, fiquei imensamente grata em ver pessoas que ultrapassaram – ou ultrapassam – adversidades inimagináveis falando sobre o amor, o perdão, a luta contra o racismo, o espaço do feminismo, valores que eu acredito tanto, mas que vejo o tempo todo tão ameaçados. 

Não tem como elencar quais depoimentos foram mais contundentes, mas talvez um dos que mais caibam aqui – nesse contexto específico que talvez, para alguns, seja verborrágico –  seja o do querido e admirável José Mojica, qual transcrevo um pedacito: “Inventamos uma montanha de consumos supérfluos. Compra-se e descarta-se, mas o que se gasta é tempo de vida. Quando compro algo, ou você compra, não pagamos com dinheiro mas sim com tempo de vida que tivemos que gastar para ter esse dinheiro. Mas tem um detalhe: tudo se compra, menos vida. A vida se gasta. E é lamentável desperdiçar a vida para perder a liberdade”.

O que falo aqui transcende qualquer pensamento ou posicionamento político e está muito além do voto, da escolha, da concepção partidária. Falo de uma sociedade em que escolas são fechadas porque claramente, sob a ótica de quem as fecha, a educação de maneira geral é um prejuízo. Falo aqui de uma sociedade tão desumana a ponto da ambição e da ganância serem responsáveis por desastres de proporções inimagináveis como foi o último, em Mariana. Catástrofes de proporções imensuráveis, assim como é, por exemplo, o desmatamento da Amazônia. Falo aqui de uma sociedade que admite pessoas que escrevem na porta de um banheiro de universidade que “na vida não tem cotas, lá fora você será só mais um escravo”. Uma sociedade negadora de direitos, que mata o pobre metafórica e/ou literalmente todos os dias, que tem sede de seletividade. Uma sociedade que quando tem seus privilégios ameaçados se torna violenta, agressiva, sanguinária. Uma sociedade que continua, independente de quantas conquistas tenhamos, vendo a mulher como menor, como inferior, como prêmio ou castigo, como adereço. Uma sociedade que não legitima o amor se ele não for concebido de maneira tradicional, e porque não legitima lhe nega direitos básicos como o de se constituir uma família. Uma sociedade que minimiza a gravidade e o impacto do estupro.

Mas frente a tudo isso vejo uma luz, por mais que seja uma réstia, ao fim do túnel. Vejo meninas na escola falando de feminismo, empoderando a si, suas mães, professoras. Rompendo barreiras que hoje, aos trinta anos, ainda luto para romper. Vejo a democratização da informação, o que há tempos atrás era totalmente restrito. Ficávamos reféns do que as emissoras – mergulhadas em seus interesses – noticiavam, enquanto agora qualquer pessoa com um celular na mão pode mostrar a verdade de uma situação. Vejo uma juventude engajada, preocupada, atuante, mobilizada e isso, isso é a força de mudança que precisamos.


Vejo essa luz também porque, no fim das contas, apesar de reclamona sou otimista. É por isso que escrevo!



segunda-feira, 7 de setembro de 2015

As profecias de Renato.

Existem duas bandas que amo. Várias que gosto, mas duas que amo: The Beatles e Legião Urbana. Talvez a primeira por ser um ícone de uma época que eu adoraria ter vivido, e certamente por ser a maior banda de todos os tempos... Hahaha. Mas a segunda, aaaah a segunda me representa. Representa meu espírito rebelde, minha insatisfação com o mundo e o quão difícil é esse mundo pra’quele que é sensível a ele.

E se tem uma música da Legião que não me sai da cabeça nesses últimos dias é Esperando por mim. É uma faixa do disco A Tempestade, disco esse que precisei de maturidade pra apreciar devido ao seu peso, sua profundidade, sua densidade. “Digam o que disserem, o mal do século é a solidão... cada um de nós imersos em sua própria arrogância e esperando por um pouco de atenção!”, quer definição melhor pros fenômenos sociais que tomam conta do mundo?

Essa semana a foto do bebê sírio morto na beira da praia deu finalmente o destaque merecido às atrocidades que os refugiados têm sido submetidos. Mas por que só agora? A mim, depois de tudo que li e assisti a esse respeito, essa comoção soa cada vez mais egoísta, bem como narrou Renato Russo.

A foto daquela criança morta é de tirar o fôlego, é de fazer com que percamos a fé que nos resta (porque ainda resta um pouquinho) na humanidade, mas por que a comoção só agora? Por que seria mostrar muita desumanidade não se compadecer com o bebê, com o pai despedaçado falando que os filhos escaparam dos seus braços, com uma família destruída. Não sentir dor seria se mostrar mais apático do que o aceitável.

O que não entendo é a tal da seletividade. Quantos refugiados já morreram nessa busca insana pela paz? Quantos estão morrendo nas fronteiras que a eles são fechadas? Quantos morreram antes mesmo de conseguir escapar da guerra e da miséria que os assolam? Quantas crianças morreram ou morrerão (conjuguem como quiserem, em qualquer tempo verbal fica macabro) devido a essa postura inóspita das grandes potências mundiais? E quanto tudo isso tem sido ignorado? MUITO. Sai uma notinha midiática aqui, um Profissão Repórter ali, e é só. Isso porque não se dá tanta importância, é só mais um evento de 2015, uma hora se resolve, não sou eu que baterei de frente com a União Europeia... e por aí vai. Agora, o que pensariam de mim se eu não me comovesse com o quadro terrível do bebê? Infelizmente, pra mim, é esse pensamento que ficou nas entrelinhas dos noticiários: o outro é um mero detalhe, tragamos tudo pra primeira pessoa porque é isso que importa. Não importa o pesar dos refugiados, mas sim o que EU penso, como EU me posiciono quanto a isso e o que as pessoas pensarão de MIM!

Lá em 1996, há quase 20 anos atrás, Renato Russo já enxergava na sociedade o “cada um de nós imerso em sua própria arrogância e esperando por um pouco de atenção”. Vejam isso da seguinte ótica: qual a diferença entre os refugiados sírios e os haitianos? Nenhuma, certo?! O mesmo desejo os motiva: a busca de uma vida melhor, um futuro menos difícil, a esperança de viver com plenitude. No entanto, muitos que se disseram sensibilizados na última semana são ávidos críticos a disponibilidade do governo brasileiro em receber haitianos em massa, empregá-los, auxiliá-los num recomeço, etc. Então me digam: porque não ficar maravilhados com o Brasil nesse sentido? Ora, se aqui se faz o que todos disseram frente à morte da criança que esperam que a União Europeia faça, por que não se aprova? É aquela velha história: a ciclofaixa em Amsterdã é uma primazia, coisa de primeiro mundo, de sociedade evoluída. Em São Paulo é obra petralha, serve pra atrapalhar o trânsito, incomodar os motoristas, etc. Fica difícil assim né, pessoal?! Complexo de vira-lata é complicado.

Vi também essa semana o primeiro ministro da Hungria falar que não abrirá as portas do país para os refugiados porque, dentre outros motivos, vão macular as raízes cristãs da Europa. Disse que os refugiados não são "problema dele". Mas alguém pode me explicar que cristianismo doentio e distorcido é esse? Ou fui eu quem aprendeu errado na catequese? Por que então em Lucas, 3:10-11 se lê ‘"O que devemos fazer então?", perguntavam as multidões. João respondia: "Quem tem duas túnicas dê uma a quem não tem nenhuma; e quem tem comida faça o mesmo"’. Por que o primeiro ministro húngaro defende o cristianismo e não quer dividir suas túnicas ou sua comida? Ainda encerrou seu discurso com: “por favor, não venham!”. Claro, educadamente.

As tragédias que subjugam os refugiados estão em uma crescente desesperadora. Não pontuarei aqui motivos políticos em primeiro lugar porque não os entendo a fundo, já me é necessário bastante esforço para acompanhar a política brasileira, quem dirá a mundial. E em segundo lugar porque, honestamente, pra mim qualquer definição de política que não seja oriunda da polis que aprendi nas aulas de filosofia e que trata daquilo que é público, não tem valor. Quer situação mais pública do que essa? É responsabilidade das grandes potências abrigar todo esse povo e devolver o que há anos lhe tiram ou pelas próprias mãos ou subsidiando as mãos de terceiros: recursos, cultura, história, independência, tranquilidade, visibilidade, VIDA.

Em meio a essa postura desumana de países mundo a fora, além do Brasil que apesar de todos os outros problemas é sensível às questões que envolvem refugiados, a Islândia nos brindou com uma corrente de solidariedade. A escritora Bryndis Bjorgvinsdottir criou um grupo no Facebook com o intuito de pressionar o governo para que o país recebesse mais refugiados do que se propõe e o resultado foi, no bom sentido, avassalador: mais de 12 mil islandeses colocando-se a disposição para abrir as portas das próprias casas em missão humanitária. Se o governo aprovará? Não se sabe. Mas enquanto muitos europeus querem manter seu caráter ariano/cristão/discriminatório, a Islândia mostra que o clichê “somos todos um só” precisa ser dimensionado.


Aguardamos o próximo capítulo e, enquanto isso, torço pra que mais uma profecia que Renato fez em A Tempestade na música Aloha não se cumpra. Já pensou que triste seria: “E meus amigos parecem ter medo de quem fala o que sentiu, de quem pensa diferente. Nos querem todos iguais. Assim é bem mais fácil nos controlar, e mentir, mentir, mentir. E matar, matar, matar, o que eu tenho de melhor: minha esperança!”

sexta-feira, 5 de junho de 2015

O recomeçar sem romantismo.

Hoje não falo de política, nem sociedade, nem critico ou exalto nada. Na verdade, falo comigo e pra mim, refletindo a letras postas sobre minha vida e decisões e mudanças e sonhos (frustrados ou não)... Hoje, mais do que nunca, faço do blog realmente minha penseira.

Sempre que vejo alguém falando/escrevendo sobre recomeço o tom da conversa é muito claro: como é lindo, como é glamouroso, nobre é aquele que tem a coragem de recomeçar. No entanto, alguém que fala isso já recomeçou alguma coisa algum dia na vida? Porque se o fez e achou assim, tão maravilhoso, acho que hoje trilho o caminho errado.

Há três meses fiquei desempregada. Posso atribuir vários sinônimos ao desemprego: desespero, angústia, preocupação, dor de estômago, noites em claro, e por aí vai. Mas um passo além da negatividade surgiu uma nova possibilidade: sair de um emprego/função que eu nunca gostei (apesar de ter ficado nele durante anos) e batalhar pelo meu projeto de vida: voltar para e Educação. Lá vou eu com mais romances!

Solução: Ir embora de Porto Alegre, cidade que sou apaixonada e que o marido ama e sente muita falta, para mudarmos para Blumenau, cidade que também gosto (local onde meus pais moram, logo, o processo é um tanto quanto facilitado pra mim), menor, com mais possibilidades de emprego, custo de vida mais aceitável, essas coisas práticas e óbvias para quem analisa de fora, mas difíceis para quem vive a opção feita. Uma total readaptação. TOTAL.

Estamos nós aqui, os dois, recomeçando. O recomeço em si não me afeta nem preocupa. Somos jovens ainda, temos o apoio de nossas famílias, temos saúde e disposição para batalhar pelos nossos objetivos. O que assusta é a falta de rumo, norte, direção. Chamem como quiserem!

Aí alguém me diz: aaaah, mas você quer recomeçar com o caminho trilhado? Não é assim, sentir-se perdida é normal. Ok, até entendo. Mas porque entendo tenho que gostar ou me sentir confortável com a situação? Não.

Parece um momento de cegueira. Não se sabe onde procurar emprego. Não se sabe quanto esperar. Não se sabe o que vai acontecer amanhã. Simplesmente não se sabe. E pra mim que sempre fui tão dona da minha vida, o “não se saber” desce goela abaixo, só por falta de opção.

Provavelmente daqui um tempo olharemos para trás e diremos: ufa, mais uma dificuldade que passou, foi vencida. Agora – e por hora – está tudo bem. E assim será como já foram outras vezes e ainda provavelmente serão mais umas tantas, pois a vida é um amontoado de altos e baixos. Mas ficar a esperar esse momento nesse infindável recomeçar é um presente de grego da vida.

Existem saldos positivos nisso tudo: mais uma vez a vida confirma, através de suas surpresas, o marido/amigo/companheiro/parceiro/amor maravilhoso que me foi dado de presente, que faz de tudo pra me ver feliz independente de como ou onde, e que não vacila em estar ao meu lado nenhum momento se quer. O que é de uma pessoa na vida sem sua outra metade? E, outra vez, não precisa ser romântico, ok? A metade é mãe, pai, irmã, irmão, namoradx, amigx, ou quem quer que seja que esteja disposto a dividir o peso da vida com a gente. O que seria da vida sem eles?

Além disso, quando falei para alguns amigos queridos que estava disposta a voltar pra Educação só ouvi coisas positivas: “a Educação precisa de pessoas como você”, “seja muito bem vinda de volta”, “já estava na hora”, e por aí vai. Professores que me foram/são tão preciosos durante a vida acadêmica com o mesmo discurso de incentivo, ressaltando o quanto essa decisão de fazer o que nasci pra fazer é importante. Enfim, palavras de incentivo para a nova jornada não faltaram.

No final das contas, continuo sem entender o romantismo atribuído ao recomeço, a não ser pelo sonho de um caminho não mais fácil, mas mais compensador. E se a vida se revela cada vez mais difícil, o mundo cada vez mais hostil e a sociedade cada vez mais desumana, o que resta a nós, que temos sangue quente e coração cheio de amor e esperança a não ser sonhar e desviar dos percalços pra percorrer os sonhos?

Saldo de tudo:
- Novos planos, nova vida, nova casa.
- Mesmo amor, mesmo comprometimento, mesma dedicação.
- Necessidade urgente de dois empregos.


Vamos que vamos!


quinta-feira, 30 de abril de 2015

Com seu sangue escorrem junto minhas lágrimas!

No dia 28 de Abril se comemora o dia da Educação. Dia daquela que pode mudar uma vida, uma sociedade, pode mudar o mundo. Já dizia Paulo Freire (sim, amo mesmo), que “se a educação sozinha não pode transformar uma sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”.  

No entanto dia 28 de Abril de 2015 professores estaduais do Paraná foram presenteados com bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha, franco-atiradores, cachorros enfurecidos, pancadaria, e a eminência de sua aposentadoria ser-lhes surrupiada sorrateiramente pelo governador e seus parceiros, deputados.

Apesar de há muito morar fora do meu estado, sou paranaense de corpo, alma e coração. Sou aluna de escola pública e me encho de orgulho quando falo, e meu ensino, até a antiga 8ª série, se deu em escolas estaduais. Lembro-me muito bem dos meus professores: professora Jussara, minha primeira professora de Português, aquela que plantou a sementinha do que me tornei. Rígida como só ela, mas tão amorosa e incentivadora. Professora Rosa, que encerrou meu ensino fundamental na mesma disciplina, me ensinou amar a literatura começando por Joaquim Manuel de Macedo, teatros no bosque, excursões à biblioteca, debates sobre Capitu e Bentinho, tanto amor pela educação e por nós, que éramos pra ela como netos tortos (de acordo com suas palavras). Professora Maria de Lourdes, muito séria e metódica, derramou a matemática na minha cabeça de um jeito que não esqueci nunca mais. Um trabalho proposto por ela com origamis compondo um cubo para estudarmos figuras geométricas foi feito por mim com alunos de pré-escola anos e anos seguidos. Posso fazer um agora, e poderei fazer daqui quantos anos forem necessários. Por quê? Porque APRENDI.  Professora Margarida, a quem dei muito trabalho por nunca ter me identificado com História nos anos de colégio, enquanto regente da minha turma na feira de Ciências nos ensinou sobre mandalas, sobre um olhar diferente sobre a vida e a espiritualidade, nos ofereceu incontáveis cafés da tarde em sua casa enquanto preparávamos a apresentação, nos escutou e deu importância ao que queríamos construir. Professora Clarisse, de Ciências, que em uma disciplina tão conteudista isso era tudo que ela não era. Minha primeira professora a falar de sexo, de toque, de como a sexualidade é normal e consequência do nosso desenvolvimento, do quanto não devíamos nos envergonhar das mudanças e vontades que surgiam. Professora Vilma, exigente, brava, falava alto, fazia a dificuldade de estudar inglês sem nunca antes ter tido contato com a língua reduzir a quase nada com sua “palestra” impressionante, cheia de energia com a veia do pescoço saltando enquanto narrava. Modelo de força e trabalho tornou-se diretora da escola e jamais mudou sua postura com os alunos e pais. Continuou sendo a mesma Vilma, mulher porreta que carregava o mundo nas costas.  Tantos outros professores, mestres, influências absolutamente positivas na minha vida.

Todos eles eram (ou ainda são) professores estaduais, tanto quanto aqueles que no dia da Educação foram alvejados em Curitiba sob a força da Polícia Militar e a ordem do governador do estado.
A cada imagem vista tanto nas redes sociais quanto em outros canais de comunicação meu coração doía mais e mais. Além das pessoas maravilhosas que tenho como exemplo de profissão e de vida, eu sou professora, minha mãe é professora, minhas tias são professoras, muitxs amigxs são professores... minha avó (na verdade, avó do meu esposo) era professora. Essa, dona Maria Eda, morreu esperando receber uma causa que ganhou junto com tantos outros professores aposentados DO ESTADO do Rio Grande do Sul onde reclamaram a correção de uma aposentadoria inacreditável. Ela fez planos com o dinheiro até seus últimos dias, e não o recebeu. Não fosse meu sogro e toda sua dedicação, teria morrido a míngua com uma aposentadoria que, depois de corrigida, chegou à casa dos R$ 500,00. Isso mesmo, QUINHENTOS REAIS.

Para evitar um fim semelhante milhares de professores se mobilizaram em Fevereiro/2015 e histórica e heroicamente adentraram a Alep (Plenário da assembleia legislativa do Paraná), fazendo assim com que o projeto onde a aposentadoria dos servidores é prejudicada fosse suspenso. Com a pressão popular, o projeto saiu da pauta e tudo voltou ao normal.

No entanto, o tal “pacotaço” voltou a ser colocado em pauta, o que gerou a nova greve e com ela se desenhou o quadro terrível que acompanhamos desde então. Li alguém comentar, se não me engano foi o deputado Jean Wyllys, que além de serem professores desarmados e exercendo sua cidadania em um estado democrático, são rostos envelhecidos. E são. É um número altíssimo de pessoas que teve a vida profissional inteira dedicada ao magistério. Um vídeo bastante chocante, inclusive, foi de uma professora que chorava, muito machucada, dizendo que era isso que ganhava depois de 23 anos de magistério. É simplesmente desolador.

Muitas questões caminham paralelas a esse triste marco no meu estado e na minha profissão, tanto contextuais quanto de responsabilidades.

Que contexto político é esse que temos vivido? Que nome tem esse novo fenômeno (que nem é tão novo assim) onde algumas manifestações são respeitadas e valorizadas, tendo seus protagonistas como pessoas preocupadas com o país, a corrupção, a qualidade da saúde e da educação (desculpem-me, mas um absurdo discurso de senso comum); e outras são massacradas, machucadas, dilaceradas física e emocionalmente, tendo os mesmos policiais que pousaram para fotos com manifestantes um mês atrás tratando servidores públicos como ameaça, uma bomba relógio. Qual é o critério para escolher quando a força policial trabalha como se vivesse em 2015 em uma pátria democrática, ou na década de 60/70 como se usassem boinas vermelhas e respondessem a Getúlio Vargas? Até que ponto a seletividade de indignação, de apuração e de julgamento são fatores determinantes na hecatombe que aconteceu em Curitiba, assim como a que está acontecendo em Baltimore, e tantas outras que são noticiadas o tempo todo?

Quanto às responsabilidades, o que acontecerá com o governador e os deputados que votaram um projeto regado a sangue de servidor? Será como foi com Álvaro Dias em 1988, que usou da mesma truculência do seu seguidor Beto Richa lançando cachorros, cavalaria e bombas pra cima de professores? Apesar de ter ficado com esse episódio marcado em sua carreira continuou firme e forte, vencendo eleição após eleição, hoje ocupando uma vaga no Senado pelo mesmo estado que subjulgou há 27 anos. Se o ato autorizado por Álvaro Dias tivesse sido considerado criminoso, hoje talvez as coisas fossem diferentes. No entanto, ao se legitimar a violência em 1988, automaticamente se legitima em 2015. Quanto tempo mais o derramamento de sangue será legitimado? Qual o próximo governador tomará posse do militarismo? Qual será a próxima tentativa de desencorajar a luta? Será que cada um terá que guardar sua indignação no bolso com medo de ser massacrado? Ou teremos que passar outro longo período de história atrelando a necessidade de reivindicar melhorias ao risco eminente do ataque, da prisão, quiçá da morte?

Ficarei aqui, acompanhando os acontecimentos, registrando o que me for possível, e torcendo pela minha profissão e pelo meu estado, que sobrevivam a mais essa queda. Deixo como alento o discurso da menina Malala na entrega do Nobel que recebeu. Quase perdeu a vida porque queria estudar, e ao invés de desistir e viver em segurança, mudou de país, continuou lutando, escreveu um livro e ganhou um prêmio Nobel. Sua principal pauta não poderia ser outra: EDUCAÇÃO! E quando fala na educação como arma mais poderosa contra a guerra, que uma caneta é mais poderosa que uma espada, e que jamais, diante de qualquer terror, pode-se silenciar, qualquer semelhança com o desastre dessa semana não é mera coincidência.

“Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo. Educação é a única solução. Educação em primeiro lugar”.




domingo, 22 de fevereiro de 2015

Sob a sombra da estatueta.

Eu e meu esposo procuramos, todo ano, fazer uma maratona para assistir aos filmes que concorrem ao Oscar. Ele, cinéfilo de carteirinha, e eu, apenas uma admiradora da sétima arte que, por sua influência, acabei me apaixonando pelas telonas. 

*** Cuidado, SPOILERS no texto! ***

Esse ano, dos filmes que assistimos, três me chamaram muita atenção. Filmes contundentes que tratam de questões em parte delicadas, em parte estúpidas, mas com uma linha permeando todas: o poder. Não discorrerei aqui a resenha dos três filmes, pois não foi o que me motivou a escrever, mas sim a minha percepção. Em Sniper Americano vemos a busca pela afirmação de poder dos Estados Unidos. Em Selma - Uma luta pela igualdade, o poder aparece na sobreposição do branco ao negro, sua então superioridade e crueldade. E em O Jogo da Imitação vemos o poder personificado pela prepotência de uma sociedade machista e homofóbica. 

Sniper Americano traz a história do herói nacional Chris Kyle, que ficou eternizado como "A lenda" por ser o atirador mais letal da história americana, tendo atuado por anos no Iraque. O foco da abordagem é o peso psicológico que a guerra tem sobre aqueles que a vivem. A meu ver, fica clara a lavagem cerebral sofrida pela sociedade que internaliza a ~importância~ da guerra e a tem como uma ferramenta para "defender seu povo". Ufanismos bradados desde os primórdios da história norte-americana e, no contexto do filme, reforçados pelo então presidente Bush. A produção é, obviamente, bastante imparcial politicamente falando.

No decorrer do filme, minha empatia só crescia pelo personagem, um homem amável, dedicado, sensível, que sofria com a missão que a ele foi designada mas ao mesmo tempo não conseguia abandoná-la. Sofri com ele. Sofri com sua esposa. Sofri com o desfecho e a maneira estúpida que sua vida é ceifada. Imaginei a dor da família, a revolta, a agonia. 

No entanto, quando cheguei em casa e me coloquei a refletir, cheguei a um questionamento: por que sofri só por ele? Qual a diferença entre ele e todos aqueles que representavam o Iraque? Qual é a diferença entre o que cada um defende? Os dois lados não estão cheios de vítimas que são culturalmente instigadas a derramar sangue pela ideologia que lhes é pregada? Por que fiquei compadecida pelo soldado americano que foi, na verdade, um grande exterminador, e não fiquei compadecida pelo atirador iraquiano que era ex-atleta olímpico e também tinha vida, família, ideais e foi executado por estar do outro lado da guerra? Como somos manipulados, como é fácil perdermos o senso crítico quando o nosso emocional é tocado por algum motivo. Armadilha perigosa, a meu ver. Mesmo assim, bom filme, boa atuação de Bradley Cooper e, acima de tudo, boa reflexão sobre o inferno bélico a qual tantos povos são submetidos. 

Já em O Jogo da Imitação, o desdobramento da história conforme fui assistindo foi completamente surpreendente. Não gosto de ficar lendo sinopses sobre os filmes, prefiro me surpreender, e foi o que aconteceu. Não foi meu filme favorito, na verdade, meu preferido foi A Teoria de Tudo (que nem entrou nesse post), mas me deixou estarrecida. 

O filme conta a história de Alan Turing, interpretado por Benedict Cumberbatch, um gênio matemático que participou de um projeto secreto durante a Segunda Guerra Mundial que visava decodificar mensagens interceptadas do exército alemão. Enquanto sua trajetória como então pioneiro na computação seguia sendo ilustrada, flashes de sua vida cortavam a linearidade do filme trazendo a tona os motivos por Turing ser tão introspectivo. Ele foi apaixonado por Christopher, um menino que estudava em sua escola e que se tornou sua única companhia em meio ao terror do bullying sofrido durante sua vida escolar. Christopher, ainda na adolescência, morreu em decorrência de uma tuberculose, e essa tristeza seguiu com Alan até sua vida adulta. 

Durante os dois anos em que trabalhou junto a uma equipe de mentes brilhantes para o exército inglês, criou uma máquina que conseguiu decodificar as mensagens alemãs e, através de lógica e estatísticas, esse núcleo foi responsável pela vitória de muitas batalhas, inclusive a épica conquista da Normandia. 

Mas nada disso me surpreendeu. O enredo estava interessante, dinâmico, mas nada fora do normal. O que me deixou perplexa talvez pela minha ignorância ao fato é que, na década de 50 - mostrada no filme - o homossexualismo era considerado crime na Inglaterra. Sim, CRIME. Fiquei estarrecida. Turing foi condenado por "vícios impróprios", impedido de trabalhar e submetido a um tratamento a base de hormônios, descrito na fala do personagem como "castração química", como alternativa à prisão. De acordo com o filme, Alan suicidou-se em 1954, o que dadas as circunstâncias não foi nenhuma surpresa. Depois de assistir ao filme fui ler sobre ele e há divergências sobre sua morte, sendo levantada a hipótese de um acidente durante uma experiência. Independente de qual tenha sido a causa - apesar da hipótese do suicídio fazer, pra mim, bem mais sentido - fiquei chocada, revoltada, enojada. 

É claro que qualquer pessoa entende que se hoje a homofobia mata, há décadas atrás o quadro só poderia ser pior, mas condenar (judicialmente) uma pessoa por ser homossexual? Francamente. O governo britânico fez pedidos de desculpas públicos, reconheceu a importância de sua obra, se retratou...mas quantos Alans sofreram? Quantos anônimos foram PRESOS simplesmente por não estarem dentro do padrão então esperado? Quantos foram submetidos a um tratamento monstruoso? Pra mim esse viés que se deu nos últimos instantes do filme foi muito mais importante do que toda a trajetória do projeto bem sucedido que fez - de acordo com a história contada - com que a Alemanha perdesse a guerra. Como somos atrasados. Na década de 50 - e obviamente muito antes dela - atrocidades ocorriam devido a homofobia, e ainda hoje não conseguimos transpor essa barreira grotesca estipulada historicamente e vivida por tantos. Como é importante que obras reconhecidas pela academia - que é também conservadora e preconceituosa - tenham em pauta o retrato de personagens como Alan Turing e tantos outros que foram subjugados por serem apenas fieis a si mesmo. 

E por último, mas nem de longe menos importante, assistimos Selma - Uma luta pela igualdade. Dos três foi o que mais gostei, talvez por ter sempre admirado Martin Luther King mesmo sem ser grande conhecedora de sua biografia. O filme faz um recorte sobre uma atuação específica de Dr. King em Selma, onde lutou pelo direito dos negros votarem (direito esse que já era garantido na constituição mas especificamente no Sul, onde se passa a história, não se fazia valer). Logo no começo do filme Annie Lee, interpretada por Oprah Winfrey, tenta tornar-se apta a votar e tem seu direito negado por um funcionário prepotente que a impede sem exitar. Essa cena é a introdução de tudo que virá a se passar no enredo. 

O que mais me encantou no filme foi que Martin não foi tratado como um mártir, um semi Deus, um homem perfeito, virtuoso, etc. Ele foi tratado como homem. Um grande orador, um homem justo e sensível à situação precária da negritude, ao cerceamento de seus direitos, a coisificação de sua raça. Mas também trata do drama que sua militância impôs à sua família, ao terrorismo que muitas vezes sua esposa foi submetida, a infidelidade, ausência, distanciamento. Mostra sua incrível liderança, mas também seus momentos de dúvida e fraqueza. Além disso, com a sutil aparição de Malcolm X o filme mostra a divisão existente inclusive dentro do movimento negro. 

As marchas acontecidas entre as cidades de Selma e Montgomery são retratadas, e nelas a inacreditável truculência de policiais (representando o interesse do então governador do Alabama, George Wallace), e a persistência do movimento liderado por Doc., como era tratado Martin Luther King. A primeira marcha com civis locais foi monstruosamente atacada pelo corpo policial, que usou gás lacrimogênio e cassetetes para massacrar pessoas desarmadas e pacíficas. Depois disso King convocou a ajuda de todos os que se sensibilizassem com a causa. Sua fala foi transmitida pela televisão e surpreendentemente Selma se encheu com milhares de pessoas dispostas a participar do movimento. A segunda marcha foi muito maior, mas Martin a interrompeu. O filme dá a entender que ele suspeitou de alguma coisa e não quis insistir, não quis mais sangue derramado. No entanto, há outra versão que defende que ele não quis contrariar Frank M. Johnson, um dos poucos juízes simpatizantes à causa, que negou a permissão. Independente do motivo, nada aconteceu. Por fim, na terceira tentativa a marcha - autorizada judicialmente - de fato se realiza, sendo um marco para a garantia pacífica dos direitos civis. Apesar de ter sido pacífica, nem tudo obviamente são flores. Uma das ativistas, Viola Liuzzo, foi assassinada por membros da Ku Klux Klan horas depois do término da marcha. 

Como coadjuvante, o então presidente L. B. Johnson aparece tentando persuadir Martin Luther King a fazer parte de suas ações, ora, sua popularidade e aceitação eram inquestionáveis entre um imenso grupo de cidadãos americanos, mas os objetivos de Doc. não consideravam acordos, nem status, nem poder, nem sucesso...eram voltados ao seu povo, e quando não conseguiu mais resistir Johnson dobrou-se à vontade de tantos que era representada por um homem. Grande Martin. Grande herói. 

Não quis aqui racionalizar a arte, pois aprendi com um querido professor que isso não se faz. O que fiz foi expressar em palavras sentimentos que me foram comuns nos três filmes: tristeza em ver como a vida vale tão pouco diante de alguns. Seja mandando centenas de milhares de homens para matar e morrer, ou submetendo uma pessoa a reprimir seus sentimentos e desejos a ponto de enlouquecê-la, ou ainda culturalmente autorizar brancos a exterminarem negros como se fosse a ordem natural do universo.

Ao mesmo tempo, sinto uma satisfação imensa em assistir a três obras que não maquiam nada disso, mas expõem, despem, escancaram uma realidade que até hoje está presente, hora como lembrança, hora como notícias de tragédias advindas de preconceitos diversos, hora ainda por um sessar fogo que não chega nunca em guerras que envolvem, acima de tudo, intolerância e sede pelo poder. E as vidas se esvaem, escorrem pelas ruas junto com o sangue derramado no passado e no presente. 

Como lindamente narrou Oswaldo Montenegro:
"Que a arte me aponte uma resposta
Mesmo que ela mesma não saiba
E que ninguém a tente complicar
Pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer..."

E ela floresceu, e floresceu muito, e que muitas mais pessoas sejam reconhecidas pela diferença que fazem no mundo, pela esperança que pregam com sua história, com a coragem de se dedicar aos outros e a verdade de si mesmas que trazem em seu coração. 

domingo, 18 de janeiro de 2015

Eu Pollyanno, tu Pollyannas, Ele Pollyanna...

Há muito tempo não escrevo. A razão? Um misto de acontecimentos e sentimentos. Terminei minha especialização e sua última etapa foi o TCC que, claro, me tomou um tempo absurdo. Além disso, em vários momentos pensei em escrever sobre várias coisas, mas não queria fazê-lo de maneira carregada e nem cheia de impulsos. Sei que cada linha escrita responsabiliza grandemente quem a escreveu.

Durante as eleições "escrevi" posts completos em minha cabeça enquanto assistia TV, tomava banho, ia ou vinha do trabalho, mas não queria escrever, não queria registrar. Escrevi muito e o tempo todo através do facebook, pois foi um momento em que me vi mergulhada numa necessidade avassaladora de discutir (no sentido de debater, refletir), e o blog não me oferece essa dinâmica. 

Mas chegou a hora de voltar pra cá, afinal, além de organizar minhas ideias escrevendo, é um exercício que priorizo: não deixar de escrever jamais. 

Não vim escrever sobre um assunto específico, mas sobre um sentimento que permeia tudo. O Amor. Quero escrever despretensiosamente, afinal, quem sou eu pra falar com propriedade sobre o que move o mundo? Não nego que a impulsionadora para essa reflexão foi a execução de Marco Cardoso na Indonésia. Não entrarei no mérito da condenação por dois motivos: sou terminantemente contra a pena de morte independente de qualquer coisa, e não é esse o assunto a que me propus falar. Mas foi a válvula pra que eu organizasse minhas reflexões.

Falar de amor não é clichê, é preciso. Tem faltado cada vez mais amor no mundo. Já escrevi essa frase algumas vezes no blog, a falo constantemente, mas continuarei batendo nessa tecla até enxergar uma mudança concreta nesse sentido.

Morin, em seu livro A minha esquerda - que já mencionei em algum momento aqui no blog - fala sobre a institucionalização da solidariedade. Nada mais é do que a falta de amor ao próximo, ao mundo, à natureza, à sociedade como um todo. Paramos de olhar (e muitas vezes me incluo nesse grupo) para uma sociedade macro, onde muitas coisas acontecem ao nosso redor. Não falo aqui em acabar com a fome no mundo, mas sim em atentar para quem está ao meu redor, alguém da família, um amigo, um conhecido, uma criança sozinha na rua...Situações corriqueiras que nos passam batidas porque não estamos olhando pra elas. Estamos cada vez mais preocupados com a sociedade micro, aquela onde só há espaço pra mim, meus desejos, minhas necessidades. Todo o resto é institucionalizado: para uma criança na rua - conselho tutelar, para uma mãe que precisa de ajuda - assistência social, para uma criança que não se enquadra em sua sala de aula - ritalina. Tudo isso, sem exceção, é falta de amor. Somada, clara, a diversos contextos, mas começa na falta de amor. 

Não acho que vivamos um cenário apocalíptico, ainda tenho um resquício de fé na humanidade, mas é passado o momento da reflexão. Durante as eleições de 2014 fiquei chocada com todo o cenário que se desenhou. Não criticarei aqui nenhum posicionamento, nem exporei o meu. Apenas defenderei o que tenho dito desde o começo do post: falta amor. Vi, enquanto observadora, ofensas aterradoras sendo esbravejadas a torto e a direita. Fui vítima delas em muitos debates. Procurei não proferir nenhuma, e tudo que eu escrevia, antes de publicar, lia novamente, para que não corresse o risco de cair no mesmo equívoco. Se mesmo assim o fiz, peço perdão. Mas o que me chocou, verdadeiramente, foi a erupção de discursos cheios de ódio, preconceito, rótulos...uma falta de amor pelo semelhante, pelo país, pela democracia. Eu mesmo já defendi aqui - e continuo defendendo - que temos uma democracia bastante distorcida e manipulada, mas é uma democracia. Quanto sangue foi derramado para que a tivéssemos! 

Em um outro momento vimos o episódio do goleiro Aranha, que em um jogo aqui mesmo em Porto Alegre foi gravemente ofendido. Quando a torcedora foi condenada, discursos diversos surgiram em sua defesa, assim como em defesa do seu ato: "estádio de futebol é assim mesmo", "Aranha tem complexo de coitadinho", "a menina não é racista, ela tem amigos negros, já até namorou um negro"...e por aí vai. Como assim? É preocupante a onda crescente e retrógrada do "preconceito é coisa da cabeça do negro, a sociedade não é mais assim". É sim! Vivemos em uma sociedade extremamente racista, preconceituosa e marginalizadora. A própria RBS - afiliada da rede Glogo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina - carrega através de muitos colaboradores da emissora esse mesmo discurso tão carente de ética, civilidade, honestidade. O próprio Pelé, em um discurso quase esclerosado, toma posse de uma fala extremamente racista e dissimulatória falando do caso, e diz que quanto mais se "dá bola pra isso", pior fica. Quer mais falta de amor ao próximo que isso?

Ainda no final de 2014 - que ano - tivemos o triste episódio envolvendo Bolsonaro e Maria do Rosário. Episódio esse que, talvez, tenha me chocado mais do que todos os outros. Explico: Muitas, mas muitas pessoas simplesmente blindaram toda sua capacidade sensorial para o que estava sendo dito - em outras palavras, o Deputado Jair Bolsonaro estava a defender que algumas mulheres merecem SIM serem estupradas, só não a Maria do Rosário - levando o triste episódio para a discussão esquerda X direita. Inacreditável. Não interessa o que foi dito, de que maneira foi dito, QUAL O TEOR DO QUE FOI DITO. O que interessa é que Maria do Rosário é petista, então se eu sou de direita, apoio e argumento justificando o posicionamento de Bolsonaro, porque ele é direita e me representa. E ainda digo que hoje em dia, por conta de tanto ativismo aqui e ali, não se pode dizer mais nada que já é machismo/racismo/homofobia...quanta frescura. 

Quer mais falta de amor que isso? Em troca da defesa de um posicionamento político que, convenhamos, nem faz tanto sentido assim, vende-se a alma pro diabo e se defende a negligência, a violência, a guerra ao próximo. 

Por que escrever sobre tudo isso agora, que já passou? Porque o caso da execução na Indonésia não só do brasileiro mas de todos os outros fomentou a necessidade de exteriorizar. Nas férias assisti o filme "Os últimos passos de um homem" (título original: Dead man walking), estrelado brilhantemente por Sean Penn e Susan Sarandon. Ele, como tantas outras produções americanas, traz a história de alguém que espera a execução (Sean Penn) e, nesse caso, da freira que é conselheira espiritual (Susan Sarandon). O filme trata de um crime bárbaro e mostra duas famílias atormentadas. Assisti o filme com minha mãe, que tem o mesmo posicionamento que eu com relação a isso, e enquanto conversávamos o principal ponto de análise foi: que tipo de alívio ou compensação a morte trouxe para as famílias? Nenhum. Porque continuarão atormentadas e despedaçadas enquanto a perda de seus entes não for superada. Qual é o exemplo que a Indonésia quer pregar? Que não se deve traficar? Tudo bem, mas porque não condenar, extraditar, multar ou o que quer que seja? E executando o traficante o tráfico acaba? Claro que não, porque por trás de meros laranjas existem cartéis mais fortes que o estado que são praticamente inatingíveis. Logo, qual é a justificativa para o estado tirar a vida de quem quer que seja? Nenhuma. Considerando vários pontos de vista, encarando o assunto por vários ângulos, em nenhum a execução se justifica. Ninguém, em situação nenhuma, pode ter a autonomia para tirar a vida de outra pessoa, principalmente de maneira legal, autorizada pelo estado e sendo bem vista por grande parte da população.

Mais triste ainda é ver/ouvir comentários do tipo: isso é certo, vamos mandar mais alguns pra lá...não concorda, leva pra casa...e por aí vai. São delírios quase inacreditáveis vindos de cidadãos brasileiros, cuja ditadura, de tão recente, ainda deixa cheiro de sangue nos porões, cuja guerra às drogas, de tão equivocada, deixa um rio de sangue nas favelas/periferias de vários Patricks. Cadê a memória? Cadê o senso humanitário? Cadê o amor? 

Por tudo isso escrevi, pra exteriorizar todo o lamento que tenho pelos fatos supracitados assim como por tantos outros que são noticiados, quase que diariamente, mostrando o quanto o mundo está sedento de amor. Espero que 2015 traga um pouco mais de paz, de boas ações, de notícias felizes. Não é que eu seja meio Pollyanna, mas é preciso ao menos acreditar que podemos ter dias mais bonitos!