segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

"Isso aqui não é cartório..."

Me comprometi, durante a semana que passou, em não escrever, me manifestar ou direcionar meu pensamento a nada na Internet que não fosse a terrível tragédia que envolveu o Chapecoense de Santa Catarina, vitimando 71 pessoas e causando uma comoção mundial. Conversei com colegas que moram e trabalham em Chapecó, escrevi uma ou outra mensagem com a hashtag #forçachape e mandei todas as energias positivas que me foram possíveis para tantas famílias que estão hoje – e permanecerão por muito tempo – despedaçadas.

Eu tenho grande dificuldade em “lidar” com a morte, por assim dizer. Ela me choca, me entristece, me amedronta. Então o abalo dessa semana foi imenso e muito próximo. No entanto, muita coisa no cenário político do país também aconteceu e é preciso falar sobre.

Na noite em que o mundo chorava pelo time épico do interior de Santa Catarina, os “representantes do povo” votavam questões decisórias para o país: a PEC 55 e a alteração da lei que atingiria diretamente o andamento da Lava Jato. Não foi porque a população estava em luto que as votações foram feitas, nem porque estava assistindo as homenagens aos mortos nem porque estava distraída; há muito não se preocupa com o que o povo pensa ou deixa de pensar. Há muito não se toma cuidado com o que fazer ou como fazer. A falta de escrúpulos não foi votar “as escondidas”. Foi simplesmente votar.

No dia ontem, 04/12/2016, uma parcela da população saiu às ruas para protestar contra Renan Calheiros e Rodrigo Maia, assim como para exaltar Sérgio Moro e sua atuação na Lava Jato. Vejo inúmeras contradições que geram imensos perigos nisso tudo:

  • Há uma gritante diferença entre os protestos dos estudantes (sejam eles universitários ou secundaristas) no que concerne a atuação da polícia. Nos episódios em que movimentos estudantis vão para a rua, assim como movimentos dos jornalistas livres ou qualquer outro que afronte diretamente o Presidente (interino) da República, há uma ostensiva ação de combate, de guerra. Enquanto estes não podem manifestar sua indignação (direito constitucional de cada cidadão que vive em uma democracia) sem correrem riscos absurdos – vide a manifestante que ficou cega, sim, CEGA – no dia de ontem havia um caminhão, trio elétrico ou algo do tipo defendendo a intervenção militar, isso mesmo, aquele negócio que é inconstitucional, sabe? Então, ali não houve nenhuma intervenção policial, nem tranquila nem truculenta, simplesmente fez-se de conta que nada se viu e a vida seguiu. Por que ignorar um ato criminoso? Um dos registros que melhor retratam isso é a foto, tirada de dentro de um dos salões de Brasília, de um coquetel refinado enquanto, ao desfrutar do mesmo, os que ali estavam presentes assistiam e registravam o absurdo que estava sendo feito no gramado do quintal com os manifestantes. Bem divertido!

  • Os discursos não batem. Havia um ódio quase físico da Presidente Dilma, um ódio quase palpável. Se pedia o impeachment o tempo todo, mesmo isso significando o Brasil estar nas mãos do trio Temer, Cunha e Calheiros tendo um congresso e um senado praticamente sem oposição (é preciso ser muito ingênuo para não se reconhecer o risco). Havia todo esse ódio mesmo sem Dilma ter seu nome mencionado nas delações premiadas nem nas listas da Odebrecht, ou em qualquer dos muitos lugares onde se procurou na Lava Jato. O pessoal nunca se perguntou porque um congresso e um senado cheio de banditismo odiava tanto assim a presidente? Ora, a mim sempre foi lógico que ela representava uma ameaça. Em meio a um teatro bem arquitetado o impeachment foi aprovado. Na mesma semana as tais “pedaladas fiscais” – motivo alegado para o afastamento da presidente, receberam uma maquiagem e foram legitimadas. Pronto, tudo resolvido. O país pode continuar fazendo o que sempre fez (vide governo de FHC) e fica tudo certo. As mesmas pessoas que pediam incansavelmente a saída da Dilma admitem Temer que, no vulgo linguajar popular, é mais sujo que pau de galinheiro, atuando na presidência da república. Aquele brasão do “primeiro a gente tira a Dilma, depois o Temer”, como eu disse inúmeras vezes, é a maior ingenuidade que se poderia ter (para não dizer mau-caratismo, cada um tira as conclusões que quiser). Quem tira? O congresso? O Senado? Instâncias que tem a maioria da bancada composta por PMDB e coligados? Vamos, lá! Quem tira? Não tira, minha gente, muito pelo contrário, mantém, blinda, aprova medidas que jamais seriam aprovadas não fosse esse o contexto. Como o Brasil pode ter uma massa tão manipulada a ponto de não perceber? E nem entro no mérito de esquerda X direita, mas sim de análise mesmo. Bom senso. Como disse o deputado federal Rodrigo Maia essa semana, “o congresso não é obrigado a ouvir o povo, isto aqui não é como um cartório onde a gente carimba o que o povo está pedindo”. Alguém pode avisar esse senhor que ele está completamente equivocado, por gentileza?

  • Ainda relacionado ao tópico anterior, os tais “protestos” de ontem foram organizados por movimentos como o MBL, grandemente financiados por partidos (principalmente o PMDB). Resultado? Em Brasília um carro de som avisou que não era uma marcha “Fora Temer”, que há plena confiança no presidente. Enquanto isso, o empresário Rogerio Chequer do movimento Vem pra Rua diz que “não é o caso de lutar para mudar um governo sem ter um movido decente para isso”. Sério? Como uma massa, se não manipulada por movimentos extremamente parciais, consegue defender tamanha besteira sem ao menos argumentar, pensar? Vejam que coisa patética: “nossa manifestação não é contra o honrado presidente Temer, mas sim quanto a tudo que ELE, sim, ELE ESTABELECEU”. Como assim? Alguém me explica?!

  • Por que o brasileiro precisa de um herói? Quando Lula foi eleito, foi tido como o herói do pobre. Que a vida do pobre melhorou, isso é fato (hey, bro, me incluo nesse balaio). As facilidades de financiamento e crédito de todas as origens, assim com a instituição do PROUNI, a ampliação do FIES e a criação/ampliação de tantas universidades e escolas técnicas melhorou consideravelmente o nível de vida do brasileiro, oportunizou conquistas nunca sonhadas por uma parcela grande da população. No entanto, Lula não foi herói. Fez diversas alianças que contrariavam (e contrariam) todo o princípio ético de uma dita esquerda que se sentiu traída. Na época do julgamento do mensalão, o então herói virou Joaquim Barbosa, que homem justo e idôneo, que pessoa maravilhosa. A decepção veio depois, ao se levantar que Joaquim Barbosa também era suspeito de enriquecimento ilícito. Heróis foram surgindo e sendo derrubados aqui e ali, e no auge da Lava Jato o herói da vez é o Juiz Sério Moro. Este que tem uma postura bastante parcial ao fazer/emitir suas análises. Já foi apontada, num passado recente, sua ligação com alguns partidos políticos que coincidentemente tem sua aparição na Lava Jato bastante minimizadas. É preciso estancar essa necessidade de alimentar uma dicotomia, não há mocinho e bandido, não há herói sem um percentual de vilão nem nos filmes da Marvel (vide Guerra Civil), e a partir do momento que o povo começa a idolatrar alguém, simplesmente se fecha os olhos para todo o resto. Essa postura, além de nociva, é extremamente perigosa. Foi isso que a Alemanha fez com Hitler.

  • E por fim me impressiona e enoja a parcialidade de toda a pútrida grande mídia, sem exceção. Ontem houve uma cobertura inacreditável desse circo patético regado a vergonha alheia apelidado de manifestação. Alguém viu algum manifestante levantar algum questionamento sobre a PEC 55? Não né! Alguém viu o Fantástico, em algum momento desse ano, fazer um programa inteiro com notícias sobre as ocupações nas escolas e universidades mostrando, além da ocupação em si, a organização e as pautas levantadas pelos universitários e, principalmente, os secundaristas? Não, né. Alguém reparou como dezenas de vezes os repórteres utilizam o adjetivo “pacífico” aliado a qualquer substantivo que faça referência à manifestação, frisando que a manifestação verde e amarela não tem confusão? Alguém associou esse fato ao detalhe da manifestação verde amarela não precisar se preocupar em nenhum momento sobre como se defender de acuação, bomba de efeito moral, cassetete e bala de borracha? Não, né. Alguém percebeu que a manifestação canarinha não contava com pelotão de choque e cavalaria acompanhando os manifestantes? Não né.

É importante esclarecer que, no meu ponto de vista, toda manifestação contra uma ordem vigente criminosa é válida DESDE QUE as pessoas saibam o que estão falando. É preciso falar sobre política com menos ódio e mais clareza. Ontem, em uma das cidades em que se noticiou manifestação, havia ao lado do boneco inflável do Renan Calheiros um outro do Lula. Qual é a moral? Qual é sua parte nesse governo? Qual é a relação dos protestos com ele? Ele está sendo investigado, está prestando contas, e não está no governo propondo ou aprovando medidas esdrúxulas. Há um interesse tão imenso em condená-lo que, se houver motivo para isso, certamente será descoberto. 


Independente de defender uma política com ideologia de esquerda ou de direita, precisamos em uníssono (e sem essa polaridade burra) defender uma política honesta. Essa ruptura da população é o combustível que alimenta tudo que está nos sendo posto goela abaixo. Não importa a corrente filosófica, o momento agora exige reflexão. Deixemos as torcidas inflamadas de paixão para o campeonato brasileiro/copa do brasil/copa libertadores de 2017! Política não é futebol. 

terça-feira, 26 de abril de 2016

Olga e as mulheres Prestes

Há meses não escrevo, e apesar do desejo de escrever não queria falar sobre o impeachment nem tampouco sobre o “bela, recatada e do lar”, afinal, são assuntos com os quais já “gastei meu latim” exaustivamente nos últimos dias, assuntos que pra mim já estão esgotados por um tempo. Não há em mim paciência para a histeria impensada e repetitiva.

Ontem, antes de dormir, comecei a pensar rumo a um resgate: por que tenho tamanha empatia com vítimas das mais diversas ditaduras que o mundo já viu? Por que choro quando assisto a um documentário? Por que, em meio a tantos absurdos vistos e ouvidos no famigerado 17 de abril de 2016, o que mais me deixou em estado de fúria foi o breve – porem sinistro – discurso do deputado Jair Bolsonaro fazendo uma homenagem a um algoz do segundo período de ditadura que o Brasil viveu?

Olga Benário Prestes
Nas aulas de história da escola nunca estudei – salvo uma brevíssima pincelada no final do Ensino Médio – os períodos ditatoriais. Nunca tive a dimensão dos absurdos que acometiam as pessoas. No entanto, quando eu tinha de 11 para 12 anos (se não me falha a memória), encontrei em meio aos livros de minha mãe uma obra chamada Olga, do autor Fernando Morais. Como em casa sempre tivemos o hábito de ler, levei para o meu quarto e deixei separado.

Em um dia muito quente coloquei a rede na varanda e deitei-me pra dar início à leitura enquanto o sono do cochilo da tarde não vinha, e ele não veio. Parei de ler quando, depois de perder totalmente a noção do tempo, vi minha mãe chegando do trabalho. Muitas narrativas a mim eram estranhas: o que era Partido Comunista? Onde ficava União Soviética? O que era direita e esquerda na política? Na noite daquele mesmo dia derrubei todas essas questões em meus pais e eles, pacientemente, foram explicando de modo a não soar como um filme de terror para uma criança o que tudo aquilo significava.

Mas o que prendia minha atenção no livro era, por um lado, a força de uma menina que tinha quase a mesma idade que eu – afinal, quando Olga começou sua militância ainda na Alemanha tinha 15 anos; e por outro lado a crueldade com que uma mulher foi tratada. Olga, ao passar pelas mãos do algoz Filinto Müller e ter sua deportação aprovada pelo governo de Getúlio Vargas, fez uma pesadíssima viagem de navio aos sete meses de gestação direto para Alemanha, onde Hitler delirava pensando em sua cabeça n’uma bandeja. Foi levada à Barnimstrasse, prisão feminina da GESTAPO, e lá deu a luz à filha Anita Leocádia Prestes. Em uma situação de subnutrição e cansaço extremo amamentou Anita durante mais de um ano, pois assim que o período de amamentação se findasse teria que entregar a criança a uma espécie de asilo nazista.

Leocádia Felizardo Prestes
Dona Leocádia e Lygia – mãe e irmã de Luiz Carlos Prestes (companheiro de Olga e pai de Anita) encabeçaram uma campanha humanitária mundial que sensibilizou (leia-se, incomodou) a GESTAPO. A campanha não surtiu efeito nas sentenças do filho e da nora, no entanto a avó conseguiu a guarda da neta deixando os pais mais tranquilos e a criança com uma perspectiva de vida que outrora, mesmo ainda bebê, não tinha. Anita nunca mais viu a mãe que após passar por vários campos de concentração foi executada 23 de abril de 1942 em Bernburg.

A dimensão de muitas facetas dessa história eu fui entender melhor depois de adulta, após ter lido e relido e a cada nova leitura ter ficado mais e mais horrorizada. Bem mais tarde, já durante a faculdade, ouvi alguém falar alguma coisa sobre Anita, que era professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fui procurar a respeito.

Lygia Prestes
Após a morte da avó, Anita foi criada pela tia Lygia Prestes, que apesar de ficar em segundo plano nas narrativas acerca de Olga foi fundamental na militância comunista tendo esse ideal inflamado por influência do irmão. Foi quem mais acompanhou dona Leocádia em suas campanhas na Europa pela libertação de Prestes e dos demais presos políticos no Brasil, além de lutar por um tratamento humanitário a ser destinado a Olga. Após Anita perder a mãe e a avó, e Prestes continuar em uma vida instável devido a militância, Lygia foi personagem principal na criação da sobrinha que escreveu, em 2013, uma homenagem ao centenário de nascimento da tia intitulado Centenário de Nascimento de Lygia Prestes - Uma Comunista Discreta homenageando a vasta trajetória da mesma. 

Anita Leocádia Prestes
Anita ainda adolescente precisou mudar-se para Moscou durante a Guerra Fria devido a perseguição ao pai ressurgir, lá permanecendo até aproximadamente seus 20 anos. Tornou-se membro do Partido Comunista e, vejam, no segundo período ditatorial vivido no Brasil também precisou de exílio. Voltou à Moscou onde fez seu primeiro Doutorado e só pode, efetivamente, firmar residência no Brasil após a lei da Anistia ao fim da década de 70.

Como não admirar essas mulheres? Três gerações (dona Leocádia, Olga/Lygia, Anita) de mulheres guerreiras, fortes, que lidaram com a vida sozinhas, que se sentiram chamadas à militância, que lutaram pela liberdade. Olga, principalmente, deu sua vida por ela.
Descobri que Olga foi quem abriu meus olhos, desenhou minha orientação política e social, instigou meu feminismo. Ela, que morreu 43 anos antes que eu nascesse e tão longe daqui, foi a principal responsável por muitas das convicções que sustento hoje. Por isso quis escrever sobre ela. Por isso, quando o nome de Ustra foi trazido à tona há dias atrás fiquei tão enojada, porque vejo nele as mãos de Filinto Müller, um dos algozes de minha heroína e de tantos outros homens e mulheres que passaram pelos tantos porões da ditadura no Brasil.

Vejo nesses nomes o espelho da impunidade, de almas macabras e sádicas que incutiram a tragédia na vida de tantas pessoas, viúvas, viúvos, órfãos, pais que ficaram sem seus filhos... E mesmo sem se tratar de morte, tantas pessoas que perderam a sanidade, sustentaram (ou sustentam) traumas profundos. Ainda, além dessas, pessoas que esperam até hoje para velar e enterrar seus mortos que nunca foram encontrados.

Graças a Olga tive, muito cedo, noção dos horrores de um regime de repressão. E é por ela e por todos os outros (inclusive por todos nós) que jamais podemos admitir que o totalitarismo ganhe voz e espaço principalmente no local que deveria ser a representação do interesse da população, a casa do povo.


Recomendo, por fim, essa entrevista maravilhosa de Anita Leocádia Prestes muito esclarecedora sobre a vida de militância e familiar dessas pessoas que tem uma importância ímpar para a história!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Nem Clark Kent, nem Lex Luthor

Pois bem, quem me conhece sabe o quão vidrada em séries sou eu.
A última que me enlaçou em seu enredo foi Breaking Bad pelo caráter realista de seus personagens, pela maneira de mostrar que as pessoas são boas e más, que todos hora somos Clark Kent, hora Lex Luthor.

No entanto, há tempos atrás assisti uma entrevista dada pelas atrizes Samira Wiley (Poussey) e Natasha Lyonne (Nicky) de Orange is the New Black para o Rafael Cortez, e elas simplesmente arrasaram. Pensei: preciso assistir!!!

Pra minha surpresa encontrei o mesmo elemento de Breaking Bad que tanto me agradou e MUITO MAIS. É um universo feminino de histórias, conflitos, família, drama, ou seja, já gostei. E além de tudo isso ainda traz de maneira nada sutil a coisificação das pessoas nas instituições – assunto que SEMPRE me inquietou.

Vamos por partes: do caráter realista, por que nos chocamos tanto? Porque eu, pelo menos, cresci assistindo novela da Globo onde o vilão era muito vilão, e o mocinho, obvio, muito mocinho. A percepção era sempre de que as pessoas são muito puras ou muito diabólicas e isso é uma mentira sem precedentes. Todos temos dentro de nós os dois lados, todos temos momentos em que sentimos raiva, frustração, angústia, coisas extremamente negativas. Mas vivemos – pelo menos eu tento – deixando aflorar os aspectos positivos da personalidade pra sermos mais felizes, vivermos em um mundo melhor.

Lembro perfeitamente de quando estava lendo Harry Potter e as Relíquias da Morte uma personalidade antes nunca conhecida de Dumbledore começou a surgir, rumores de que ele era ganancioso, ambicioso, frio.... O pessoal no ato começou a criticar o personagem (e a autora, coitada), enquanto eu só pensava: mas isso é GENIAL. Ele é de verdade, uma pessoa que sente o que sentem todas as outras.

Assistindo Breaking Bad isso – além de um roteiro absurdamente bem tramado – me encantou. Nem o Tuco, o mais enlouquecido de todos, é totalmente mal. Quando se tratava de sua família ele era o responsável, o protetor. Não há como encontrar um vilão na série, muito menos um mocinho, porque cada qual tem seu momento, como na vida real.

Em Orange is the New Black é assim. Conforme as histórias das mulheres são contadas paralelamente à sua estadia na prisão, é impossível não simpatizar com todas. Cada qual teve seu trauma, seu conflito, seu motivo para estar ali. Aí um dia desses falei disso pra uma pessoa conhecida e a primeira coisa que ela me disse foi: pois é, mas a televisão mostra como se tivéssemos que esquecer que elas estão ali por um motivo, nenhuma foi presa injustamente, não se pode comprar a manipulação pregada.

E é aqui que entra a coisificação do indivíduo. Nenhuma ali foi presa injustamente, todas estão respondendo por crimes que cometeram, e por isso elas deixam de ser gente? Em uma cena o Mr. Caputo – diretor do presídio – orienta os agentes penitenciários a nunca chamarem as mulheres pelo nome, mas sim de “detentas”, assim elas entendem que são um rebanho que tem que ser tocado e nada mais.

Ontem ainda assisti um episódio onde uma detenta idosa começa a causar problemas devido a sua condição psicológica e a solução encontrada pelo presídio é conceder-lhe a liberdade por misericórdia, o que nada mais é do que lançá-la à rua refém de sua própria sorte para não mais ser problema do estado.

Até que ponto isso é ficção? Até que ponto não é assim que as instituições tratam as pessoas? Não quero entrar aqui em um discurso sobre o sistema carcerário, porque nem de longe é esse o objetivo, mas é impossível não traçar esse paralelo. Há algum tempo vi a notícia do lançamento do livro "Presos que Menstruam" da jornalista Nana Queiroz, narrando absurdos com o fato das mulheres presas não receberem absorventes. ABSORVENTES estavam sendo negados a presidiárias. Os comentários da notícia: tem que negar mesmo, se quisessem estrutura não deveriam escolher a vida do crime... E por aí ia. O discurso equivocado já começa no "escolher". A pessoa não acorda e pensa: "deixa eu ver o que eu vou fazer hoje, assistir televisão ou roubar um banco?" O reducionismo nessa análise só deixa a própria análise mais difícil. As pessoas a partir do momento que fogem do que lhes é esperado deixam de ser vistas como pessoas e passam a ser estatística, números, dados, COISAS.

Esse caráter desumanizado das análises tem tomado grande força, e isso é um fator de extrema preocupação. Saindo do ambiente onde a pessoa paga por um crime, pois muita gente tem uma dificuldade imensa de entender que, mesmo ali, as pessoas continuam sendo pessoas, falemos então de uma escola. Essa semana mesmo foram vinculadas várias notícias falando de escolas particulares negando vagas para alunos com deficiência. Por que? Porque infelizmente muitas escolas enxergam essas crianças como uma coisa, uma coisa que exige esforço, adaptação, atenção. Uma coisa que dá trabalho e foge da rotina. Chocante? Pois é, imagina pra quem é classificado como tal.

O sistema capitalista de maneira geral coisifica as pessoas. Em um local onde se trabalha com metas, se você não as bate você não é bom, independente das outras qualidade que você possa ter. Se você é muito competente, mas tem outra pessoa que também é e faz teu trabalho pela metade do valor, você é substituído. O valor – não financeiro, mas moral – tem ficado de lado a partir do momento que as pessoas são apenas resultado, apenas lucro, apenas uma planilha de custo/benefício.

Isso, pra finalizar, culmina nas relações de poder estabelecidas em todos os meios. Em Breaking Bad, por que Walter White passou a gostar de ser Heisenberg? Porque se sentiu poderoso, respeitado, ouvido, seguido.

Em Orange is the New Black a cozinha é disputada pelos grupos, pois aquele que a tem faz o que quer. Os banheiros das detentas não tem portas, porque elas precisam encaram todos os dias a humilhação de fazer suas necessidades fisiológicas na frente de qualquer um. Além de que Mr. Healy, o orientador machista e homofóbico tem como suas prediletas aquelas que não se comportam contrariamente ao que ele acredita ser certo. Com as que lhe incomodam ele lança mão de castigos físicos e morais abusando do poder que tem para fazer isso. Ou seja, ou as detentas aprendem a lidar com as relações de poder que permeiam o ambiente, ou suas vidas se transformadam em um verdadeiro caos.

Gestores do mundo todo pregam a gestão democrática e participativa. É só digitar no Youtube a palavra “coaching” e se deliciar com vídeos e mais vídeos de discursos cheios de inovação quando o assunto é gestão. E na prática? Na prática as instituições estão cada vez mais cheias de gestores autocráticos e totalitários, porque para fazer uma gestão democrática é preciso que o ego e a supervalorização das relações de poder sejam postos de lado, é necessário saber ouvir o outro verdadeiramente, é necessário saber a hora de seguir em frente ou de se admitir que errou, é mais do que necessário não querer ser destaque. 

Em uma formação que participei há anos atrás quando comecei minha carreira de gestora, ouvi uma frase que ficou na minha cabeça: um local onde o gestor é eficiente ele é o único que não aparece, quando o gestor é o foco a gestão é ineficiente. Isso teria servido para o Heisenberg, para o Gus, serve para o Mr. Caputo, para o Mr. Healy, e para qualquer outra pessoa que ache que desumanizar as pessoas e abusar da relação de poder com relação a elas leva alguém para algum lugar.


Depois dizem que séries são perca de tempo. São não. Pra mim são maneiras de analisar as coisas de um ponto de visa mais divertido. 



sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Uma réstia de luz...

Essa semana uma amiga me marcou em um vídeo que está rolando na rede. Joguei o nome da pessoa que o protagoniza – Eduardo Marinho – no Google e o primeiro link que aparece já traz a seguinte informação: filósofo de rua. Já gostei!

Transcrevo alguns trechos do que ele falou porque são coisas que tenho – há bastante tempo – pensado muito, mas muito mesmo.

Já começa bem: “Se você buscar um prazer em viver você já está sendo revolucionário, se você não aceitar um trabalho que te sacrifique você já está sendo revolucionário, se você conseguir criar seus valores você está sendo um super revolucionário”. É tipo aquela frase de George Orwell que fala que “Em tempos de embustes universais, dizer a verdade se torna um ato revolucionário”.

Momentos depois ele – o filosofo de rua – fala o seguinte: “Eu ganhei uma paz enorme quando eu disse: “não quero vencer na vida, eu quero viver”. Essa ideia de vencer na vida é um inferno, coloca meus irmãos como meus adversários, meus inimigos. Existem atitudes melhores do que atitudes, ideias melhores que ideias, mas pessoas melhores que pessoas não tem”.

E quase ao fim ele diz que “Se eu tive acesso a uma universidade e a conhecimentos que são negados a uma maioria eu tenho uma dívida com essa maioria, e não um sentimento de superioridade”.

Independente de quem ele é ou de onde ele veio, só pelo fato de ter sido o proclamador dessas ideias já tem minha atenção. Como preciso, como sinto necessidade de ouvir mais discursos assim. Como falta na vida alguém que entenda que a sociedade precisa de mais humanidade. Como faltam no mundo pessoas que pisem um pouquinho no freio das questões econômicas e enfiem o pé no acelerador das questões sociais. Pessoas não são números nem estatísticas. Pessoas são pessoas. Pessoas precisam viver.

Como falta alguém que mude o discurso de “o Brasil está em crise agora porque ficou sustentando vagabundo com o dinheiro de quem trabalha, e o dinheiro acabou” para “que bom que durante mais de uma década foi olhado para uma grande parcela marginalizada da população e hoje, apesar da crise, eles começaram a ter oportunidade de ajudar a construir um país menos desigual”.

Há algum tempo um querido ex-professor e eterno amigo indicou-me um documentário chamado Human, disse que eu tinha que assistir. Nem questionei, fui direto. Bendita hora que lhe dei ouvidos. Assisti a todos os volumes (I, II e III), um atrás do outro. Chorei muito, me emocionei, fiquei imensamente grata em ver pessoas que ultrapassaram – ou ultrapassam – adversidades inimagináveis falando sobre o amor, o perdão, a luta contra o racismo, o espaço do feminismo, valores que eu acredito tanto, mas que vejo o tempo todo tão ameaçados. 

Não tem como elencar quais depoimentos foram mais contundentes, mas talvez um dos que mais caibam aqui – nesse contexto específico que talvez, para alguns, seja verborrágico –  seja o do querido e admirável José Mojica, qual transcrevo um pedacito: “Inventamos uma montanha de consumos supérfluos. Compra-se e descarta-se, mas o que se gasta é tempo de vida. Quando compro algo, ou você compra, não pagamos com dinheiro mas sim com tempo de vida que tivemos que gastar para ter esse dinheiro. Mas tem um detalhe: tudo se compra, menos vida. A vida se gasta. E é lamentável desperdiçar a vida para perder a liberdade”.

O que falo aqui transcende qualquer pensamento ou posicionamento político e está muito além do voto, da escolha, da concepção partidária. Falo de uma sociedade em que escolas são fechadas porque claramente, sob a ótica de quem as fecha, a educação de maneira geral é um prejuízo. Falo aqui de uma sociedade tão desumana a ponto da ambição e da ganância serem responsáveis por desastres de proporções inimagináveis como foi o último, em Mariana. Catástrofes de proporções imensuráveis, assim como é, por exemplo, o desmatamento da Amazônia. Falo aqui de uma sociedade que admite pessoas que escrevem na porta de um banheiro de universidade que “na vida não tem cotas, lá fora você será só mais um escravo”. Uma sociedade negadora de direitos, que mata o pobre metafórica e/ou literalmente todos os dias, que tem sede de seletividade. Uma sociedade que quando tem seus privilégios ameaçados se torna violenta, agressiva, sanguinária. Uma sociedade que continua, independente de quantas conquistas tenhamos, vendo a mulher como menor, como inferior, como prêmio ou castigo, como adereço. Uma sociedade que não legitima o amor se ele não for concebido de maneira tradicional, e porque não legitima lhe nega direitos básicos como o de se constituir uma família. Uma sociedade que minimiza a gravidade e o impacto do estupro.

Mas frente a tudo isso vejo uma luz, por mais que seja uma réstia, ao fim do túnel. Vejo meninas na escola falando de feminismo, empoderando a si, suas mães, professoras. Rompendo barreiras que hoje, aos trinta anos, ainda luto para romper. Vejo a democratização da informação, o que há tempos atrás era totalmente restrito. Ficávamos reféns do que as emissoras – mergulhadas em seus interesses – noticiavam, enquanto agora qualquer pessoa com um celular na mão pode mostrar a verdade de uma situação. Vejo uma juventude engajada, preocupada, atuante, mobilizada e isso, isso é a força de mudança que precisamos.


Vejo essa luz também porque, no fim das contas, apesar de reclamona sou otimista. É por isso que escrevo!



segunda-feira, 7 de setembro de 2015

As profecias de Renato.

Existem duas bandas que amo. Várias que gosto, mas duas que amo: The Beatles e Legião Urbana. Talvez a primeira por ser um ícone de uma época que eu adoraria ter vivido, e certamente por ser a maior banda de todos os tempos... Hahaha. Mas a segunda, aaaah a segunda me representa. Representa meu espírito rebelde, minha insatisfação com o mundo e o quão difícil é esse mundo pra’quele que é sensível a ele.

E se tem uma música da Legião que não me sai da cabeça nesses últimos dias é Esperando por mim. É uma faixa do disco A Tempestade, disco esse que precisei de maturidade pra apreciar devido ao seu peso, sua profundidade, sua densidade. “Digam o que disserem, o mal do século é a solidão... cada um de nós imersos em sua própria arrogância e esperando por um pouco de atenção!”, quer definição melhor pros fenômenos sociais que tomam conta do mundo?

Essa semana a foto do bebê sírio morto na beira da praia deu finalmente o destaque merecido às atrocidades que os refugiados têm sido submetidos. Mas por que só agora? A mim, depois de tudo que li e assisti a esse respeito, essa comoção soa cada vez mais egoísta, bem como narrou Renato Russo.

A foto daquela criança morta é de tirar o fôlego, é de fazer com que percamos a fé que nos resta (porque ainda resta um pouquinho) na humanidade, mas por que a comoção só agora? Por que seria mostrar muita desumanidade não se compadecer com o bebê, com o pai despedaçado falando que os filhos escaparam dos seus braços, com uma família destruída. Não sentir dor seria se mostrar mais apático do que o aceitável.

O que não entendo é a tal da seletividade. Quantos refugiados já morreram nessa busca insana pela paz? Quantos estão morrendo nas fronteiras que a eles são fechadas? Quantos morreram antes mesmo de conseguir escapar da guerra e da miséria que os assolam? Quantas crianças morreram ou morrerão (conjuguem como quiserem, em qualquer tempo verbal fica macabro) devido a essa postura inóspita das grandes potências mundiais? E quanto tudo isso tem sido ignorado? MUITO. Sai uma notinha midiática aqui, um Profissão Repórter ali, e é só. Isso porque não se dá tanta importância, é só mais um evento de 2015, uma hora se resolve, não sou eu que baterei de frente com a União Europeia... e por aí vai. Agora, o que pensariam de mim se eu não me comovesse com o quadro terrível do bebê? Infelizmente, pra mim, é esse pensamento que ficou nas entrelinhas dos noticiários: o outro é um mero detalhe, tragamos tudo pra primeira pessoa porque é isso que importa. Não importa o pesar dos refugiados, mas sim o que EU penso, como EU me posiciono quanto a isso e o que as pessoas pensarão de MIM!

Lá em 1996, há quase 20 anos atrás, Renato Russo já enxergava na sociedade o “cada um de nós imerso em sua própria arrogância e esperando por um pouco de atenção”. Vejam isso da seguinte ótica: qual a diferença entre os refugiados sírios e os haitianos? Nenhuma, certo?! O mesmo desejo os motiva: a busca de uma vida melhor, um futuro menos difícil, a esperança de viver com plenitude. No entanto, muitos que se disseram sensibilizados na última semana são ávidos críticos a disponibilidade do governo brasileiro em receber haitianos em massa, empregá-los, auxiliá-los num recomeço, etc. Então me digam: porque não ficar maravilhados com o Brasil nesse sentido? Ora, se aqui se faz o que todos disseram frente à morte da criança que esperam que a União Europeia faça, por que não se aprova? É aquela velha história: a ciclofaixa em Amsterdã é uma primazia, coisa de primeiro mundo, de sociedade evoluída. Em São Paulo é obra petralha, serve pra atrapalhar o trânsito, incomodar os motoristas, etc. Fica difícil assim né, pessoal?! Complexo de vira-lata é complicado.

Vi também essa semana o primeiro ministro da Hungria falar que não abrirá as portas do país para os refugiados porque, dentre outros motivos, vão macular as raízes cristãs da Europa. Disse que os refugiados não são "problema dele". Mas alguém pode me explicar que cristianismo doentio e distorcido é esse? Ou fui eu quem aprendeu errado na catequese? Por que então em Lucas, 3:10-11 se lê ‘"O que devemos fazer então?", perguntavam as multidões. João respondia: "Quem tem duas túnicas dê uma a quem não tem nenhuma; e quem tem comida faça o mesmo"’. Por que o primeiro ministro húngaro defende o cristianismo e não quer dividir suas túnicas ou sua comida? Ainda encerrou seu discurso com: “por favor, não venham!”. Claro, educadamente.

As tragédias que subjugam os refugiados estão em uma crescente desesperadora. Não pontuarei aqui motivos políticos em primeiro lugar porque não os entendo a fundo, já me é necessário bastante esforço para acompanhar a política brasileira, quem dirá a mundial. E em segundo lugar porque, honestamente, pra mim qualquer definição de política que não seja oriunda da polis que aprendi nas aulas de filosofia e que trata daquilo que é público, não tem valor. Quer situação mais pública do que essa? É responsabilidade das grandes potências abrigar todo esse povo e devolver o que há anos lhe tiram ou pelas próprias mãos ou subsidiando as mãos de terceiros: recursos, cultura, história, independência, tranquilidade, visibilidade, VIDA.

Em meio a essa postura desumana de países mundo a fora, além do Brasil que apesar de todos os outros problemas é sensível às questões que envolvem refugiados, a Islândia nos brindou com uma corrente de solidariedade. A escritora Bryndis Bjorgvinsdottir criou um grupo no Facebook com o intuito de pressionar o governo para que o país recebesse mais refugiados do que se propõe e o resultado foi, no bom sentido, avassalador: mais de 12 mil islandeses colocando-se a disposição para abrir as portas das próprias casas em missão humanitária. Se o governo aprovará? Não se sabe. Mas enquanto muitos europeus querem manter seu caráter ariano/cristão/discriminatório, a Islândia mostra que o clichê “somos todos um só” precisa ser dimensionado.


Aguardamos o próximo capítulo e, enquanto isso, torço pra que mais uma profecia que Renato fez em A Tempestade na música Aloha não se cumpra. Já pensou que triste seria: “E meus amigos parecem ter medo de quem fala o que sentiu, de quem pensa diferente. Nos querem todos iguais. Assim é bem mais fácil nos controlar, e mentir, mentir, mentir. E matar, matar, matar, o que eu tenho de melhor: minha esperança!”

sexta-feira, 5 de junho de 2015

O recomeçar sem romantismo.

Hoje não falo de política, nem sociedade, nem critico ou exalto nada. Na verdade, falo comigo e pra mim, refletindo a letras postas sobre minha vida e decisões e mudanças e sonhos (frustrados ou não)... Hoje, mais do que nunca, faço do blog realmente minha penseira.

Sempre que vejo alguém falando/escrevendo sobre recomeço o tom da conversa é muito claro: como é lindo, como é glamouroso, nobre é aquele que tem a coragem de recomeçar. No entanto, alguém que fala isso já recomeçou alguma coisa algum dia na vida? Porque se o fez e achou assim, tão maravilhoso, acho que hoje trilho o caminho errado.

Há três meses fiquei desempregada. Posso atribuir vários sinônimos ao desemprego: desespero, angústia, preocupação, dor de estômago, noites em claro, e por aí vai. Mas um passo além da negatividade surgiu uma nova possibilidade: sair de um emprego/função que eu nunca gostei (apesar de ter ficado nele durante anos) e batalhar pelo meu projeto de vida: voltar para e Educação. Lá vou eu com mais romances!

Solução: Ir embora de Porto Alegre, cidade que sou apaixonada e que o marido ama e sente muita falta, para mudarmos para Blumenau, cidade que também gosto (local onde meus pais moram, logo, o processo é um tanto quanto facilitado pra mim), menor, com mais possibilidades de emprego, custo de vida mais aceitável, essas coisas práticas e óbvias para quem analisa de fora, mas difíceis para quem vive a opção feita. Uma total readaptação. TOTAL.

Estamos nós aqui, os dois, recomeçando. O recomeço em si não me afeta nem preocupa. Somos jovens ainda, temos o apoio de nossas famílias, temos saúde e disposição para batalhar pelos nossos objetivos. O que assusta é a falta de rumo, norte, direção. Chamem como quiserem!

Aí alguém me diz: aaaah, mas você quer recomeçar com o caminho trilhado? Não é assim, sentir-se perdida é normal. Ok, até entendo. Mas porque entendo tenho que gostar ou me sentir confortável com a situação? Não.

Parece um momento de cegueira. Não se sabe onde procurar emprego. Não se sabe quanto esperar. Não se sabe o que vai acontecer amanhã. Simplesmente não se sabe. E pra mim que sempre fui tão dona da minha vida, o “não se saber” desce goela abaixo, só por falta de opção.

Provavelmente daqui um tempo olharemos para trás e diremos: ufa, mais uma dificuldade que passou, foi vencida. Agora – e por hora – está tudo bem. E assim será como já foram outras vezes e ainda provavelmente serão mais umas tantas, pois a vida é um amontoado de altos e baixos. Mas ficar a esperar esse momento nesse infindável recomeçar é um presente de grego da vida.

Existem saldos positivos nisso tudo: mais uma vez a vida confirma, através de suas surpresas, o marido/amigo/companheiro/parceiro/amor maravilhoso que me foi dado de presente, que faz de tudo pra me ver feliz independente de como ou onde, e que não vacila em estar ao meu lado nenhum momento se quer. O que é de uma pessoa na vida sem sua outra metade? E, outra vez, não precisa ser romântico, ok? A metade é mãe, pai, irmã, irmão, namoradx, amigx, ou quem quer que seja que esteja disposto a dividir o peso da vida com a gente. O que seria da vida sem eles?

Além disso, quando falei para alguns amigos queridos que estava disposta a voltar pra Educação só ouvi coisas positivas: “a Educação precisa de pessoas como você”, “seja muito bem vinda de volta”, “já estava na hora”, e por aí vai. Professores que me foram/são tão preciosos durante a vida acadêmica com o mesmo discurso de incentivo, ressaltando o quanto essa decisão de fazer o que nasci pra fazer é importante. Enfim, palavras de incentivo para a nova jornada não faltaram.

No final das contas, continuo sem entender o romantismo atribuído ao recomeço, a não ser pelo sonho de um caminho não mais fácil, mas mais compensador. E se a vida se revela cada vez mais difícil, o mundo cada vez mais hostil e a sociedade cada vez mais desumana, o que resta a nós, que temos sangue quente e coração cheio de amor e esperança a não ser sonhar e desviar dos percalços pra percorrer os sonhos?

Saldo de tudo:
- Novos planos, nova vida, nova casa.
- Mesmo amor, mesmo comprometimento, mesma dedicação.
- Necessidade urgente de dois empregos.


Vamos que vamos!


quinta-feira, 30 de abril de 2015

Com seu sangue escorrem junto minhas lágrimas!

No dia 28 de Abril se comemora o dia da Educação. Dia daquela que pode mudar uma vida, uma sociedade, pode mudar o mundo. Já dizia Paulo Freire (sim, amo mesmo), que “se a educação sozinha não pode transformar uma sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”.  

No entanto dia 28 de Abril de 2015 professores estaduais do Paraná foram presenteados com bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha, franco-atiradores, cachorros enfurecidos, pancadaria, e a eminência de sua aposentadoria ser-lhes surrupiada sorrateiramente pelo governador e seus parceiros, deputados.

Apesar de há muito morar fora do meu estado, sou paranaense de corpo, alma e coração. Sou aluna de escola pública e me encho de orgulho quando falo, e meu ensino, até a antiga 8ª série, se deu em escolas estaduais. Lembro-me muito bem dos meus professores: professora Jussara, minha primeira professora de Português, aquela que plantou a sementinha do que me tornei. Rígida como só ela, mas tão amorosa e incentivadora. Professora Rosa, que encerrou meu ensino fundamental na mesma disciplina, me ensinou amar a literatura começando por Joaquim Manuel de Macedo, teatros no bosque, excursões à biblioteca, debates sobre Capitu e Bentinho, tanto amor pela educação e por nós, que éramos pra ela como netos tortos (de acordo com suas palavras). Professora Maria de Lourdes, muito séria e metódica, derramou a matemática na minha cabeça de um jeito que não esqueci nunca mais. Um trabalho proposto por ela com origamis compondo um cubo para estudarmos figuras geométricas foi feito por mim com alunos de pré-escola anos e anos seguidos. Posso fazer um agora, e poderei fazer daqui quantos anos forem necessários. Por quê? Porque APRENDI.  Professora Margarida, a quem dei muito trabalho por nunca ter me identificado com História nos anos de colégio, enquanto regente da minha turma na feira de Ciências nos ensinou sobre mandalas, sobre um olhar diferente sobre a vida e a espiritualidade, nos ofereceu incontáveis cafés da tarde em sua casa enquanto preparávamos a apresentação, nos escutou e deu importância ao que queríamos construir. Professora Clarisse, de Ciências, que em uma disciplina tão conteudista isso era tudo que ela não era. Minha primeira professora a falar de sexo, de toque, de como a sexualidade é normal e consequência do nosso desenvolvimento, do quanto não devíamos nos envergonhar das mudanças e vontades que surgiam. Professora Vilma, exigente, brava, falava alto, fazia a dificuldade de estudar inglês sem nunca antes ter tido contato com a língua reduzir a quase nada com sua “palestra” impressionante, cheia de energia com a veia do pescoço saltando enquanto narrava. Modelo de força e trabalho tornou-se diretora da escola e jamais mudou sua postura com os alunos e pais. Continuou sendo a mesma Vilma, mulher porreta que carregava o mundo nas costas.  Tantos outros professores, mestres, influências absolutamente positivas na minha vida.

Todos eles eram (ou ainda são) professores estaduais, tanto quanto aqueles que no dia da Educação foram alvejados em Curitiba sob a força da Polícia Militar e a ordem do governador do estado.
A cada imagem vista tanto nas redes sociais quanto em outros canais de comunicação meu coração doía mais e mais. Além das pessoas maravilhosas que tenho como exemplo de profissão e de vida, eu sou professora, minha mãe é professora, minhas tias são professoras, muitxs amigxs são professores... minha avó (na verdade, avó do meu esposo) era professora. Essa, dona Maria Eda, morreu esperando receber uma causa que ganhou junto com tantos outros professores aposentados DO ESTADO do Rio Grande do Sul onde reclamaram a correção de uma aposentadoria inacreditável. Ela fez planos com o dinheiro até seus últimos dias, e não o recebeu. Não fosse meu sogro e toda sua dedicação, teria morrido a míngua com uma aposentadoria que, depois de corrigida, chegou à casa dos R$ 500,00. Isso mesmo, QUINHENTOS REAIS.

Para evitar um fim semelhante milhares de professores se mobilizaram em Fevereiro/2015 e histórica e heroicamente adentraram a Alep (Plenário da assembleia legislativa do Paraná), fazendo assim com que o projeto onde a aposentadoria dos servidores é prejudicada fosse suspenso. Com a pressão popular, o projeto saiu da pauta e tudo voltou ao normal.

No entanto, o tal “pacotaço” voltou a ser colocado em pauta, o que gerou a nova greve e com ela se desenhou o quadro terrível que acompanhamos desde então. Li alguém comentar, se não me engano foi o deputado Jean Wyllys, que além de serem professores desarmados e exercendo sua cidadania em um estado democrático, são rostos envelhecidos. E são. É um número altíssimo de pessoas que teve a vida profissional inteira dedicada ao magistério. Um vídeo bastante chocante, inclusive, foi de uma professora que chorava, muito machucada, dizendo que era isso que ganhava depois de 23 anos de magistério. É simplesmente desolador.

Muitas questões caminham paralelas a esse triste marco no meu estado e na minha profissão, tanto contextuais quanto de responsabilidades.

Que contexto político é esse que temos vivido? Que nome tem esse novo fenômeno (que nem é tão novo assim) onde algumas manifestações são respeitadas e valorizadas, tendo seus protagonistas como pessoas preocupadas com o país, a corrupção, a qualidade da saúde e da educação (desculpem-me, mas um absurdo discurso de senso comum); e outras são massacradas, machucadas, dilaceradas física e emocionalmente, tendo os mesmos policiais que pousaram para fotos com manifestantes um mês atrás tratando servidores públicos como ameaça, uma bomba relógio. Qual é o critério para escolher quando a força policial trabalha como se vivesse em 2015 em uma pátria democrática, ou na década de 60/70 como se usassem boinas vermelhas e respondessem a Getúlio Vargas? Até que ponto a seletividade de indignação, de apuração e de julgamento são fatores determinantes na hecatombe que aconteceu em Curitiba, assim como a que está acontecendo em Baltimore, e tantas outras que são noticiadas o tempo todo?

Quanto às responsabilidades, o que acontecerá com o governador e os deputados que votaram um projeto regado a sangue de servidor? Será como foi com Álvaro Dias em 1988, que usou da mesma truculência do seu seguidor Beto Richa lançando cachorros, cavalaria e bombas pra cima de professores? Apesar de ter ficado com esse episódio marcado em sua carreira continuou firme e forte, vencendo eleição após eleição, hoje ocupando uma vaga no Senado pelo mesmo estado que subjulgou há 27 anos. Se o ato autorizado por Álvaro Dias tivesse sido considerado criminoso, hoje talvez as coisas fossem diferentes. No entanto, ao se legitimar a violência em 1988, automaticamente se legitima em 2015. Quanto tempo mais o derramamento de sangue será legitimado? Qual o próximo governador tomará posse do militarismo? Qual será a próxima tentativa de desencorajar a luta? Será que cada um terá que guardar sua indignação no bolso com medo de ser massacrado? Ou teremos que passar outro longo período de história atrelando a necessidade de reivindicar melhorias ao risco eminente do ataque, da prisão, quiçá da morte?

Ficarei aqui, acompanhando os acontecimentos, registrando o que me for possível, e torcendo pela minha profissão e pelo meu estado, que sobrevivam a mais essa queda. Deixo como alento o discurso da menina Malala na entrega do Nobel que recebeu. Quase perdeu a vida porque queria estudar, e ao invés de desistir e viver em segurança, mudou de país, continuou lutando, escreveu um livro e ganhou um prêmio Nobel. Sua principal pauta não poderia ser outra: EDUCAÇÃO! E quando fala na educação como arma mais poderosa contra a guerra, que uma caneta é mais poderosa que uma espada, e que jamais, diante de qualquer terror, pode-se silenciar, qualquer semelhança com o desastre dessa semana não é mera coincidência.

“Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo. Educação é a única solução. Educação em primeiro lugar”.