quinta-feira, 30 de abril de 2015

Com seu sangue escorrem junto minhas lágrimas!

No dia 28 de Abril se comemora o dia da Educação. Dia daquela que pode mudar uma vida, uma sociedade, pode mudar o mundo. Já dizia Paulo Freire (sim, amo mesmo), que “se a educação sozinha não pode transformar uma sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”.  

No entanto dia 28 de Abril de 2015 professores estaduais do Paraná foram presenteados com bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha, franco-atiradores, cachorros enfurecidos, pancadaria, e a eminência de sua aposentadoria ser-lhes surrupiada sorrateiramente pelo governador e seus parceiros, deputados.

Apesar de há muito morar fora do meu estado, sou paranaense de corpo, alma e coração. Sou aluna de escola pública e me encho de orgulho quando falo, e meu ensino, até a antiga 8ª série, se deu em escolas estaduais. Lembro-me muito bem dos meus professores: professora Jussara, minha primeira professora de Português, aquela que plantou a sementinha do que me tornei. Rígida como só ela, mas tão amorosa e incentivadora. Professora Rosa, que encerrou meu ensino fundamental na mesma disciplina, me ensinou amar a literatura começando por Joaquim Manuel de Macedo, teatros no bosque, excursões à biblioteca, debates sobre Capitu e Bentinho, tanto amor pela educação e por nós, que éramos pra ela como netos tortos (de acordo com suas palavras). Professora Maria de Lourdes, muito séria e metódica, derramou a matemática na minha cabeça de um jeito que não esqueci nunca mais. Um trabalho proposto por ela com origamis compondo um cubo para estudarmos figuras geométricas foi feito por mim com alunos de pré-escola anos e anos seguidos. Posso fazer um agora, e poderei fazer daqui quantos anos forem necessários. Por quê? Porque APRENDI.  Professora Margarida, a quem dei muito trabalho por nunca ter me identificado com História nos anos de colégio, enquanto regente da minha turma na feira de Ciências nos ensinou sobre mandalas, sobre um olhar diferente sobre a vida e a espiritualidade, nos ofereceu incontáveis cafés da tarde em sua casa enquanto preparávamos a apresentação, nos escutou e deu importância ao que queríamos construir. Professora Clarisse, de Ciências, que em uma disciplina tão conteudista isso era tudo que ela não era. Minha primeira professora a falar de sexo, de toque, de como a sexualidade é normal e consequência do nosso desenvolvimento, do quanto não devíamos nos envergonhar das mudanças e vontades que surgiam. Professora Vilma, exigente, brava, falava alto, fazia a dificuldade de estudar inglês sem nunca antes ter tido contato com a língua reduzir a quase nada com sua “palestra” impressionante, cheia de energia com a veia do pescoço saltando enquanto narrava. Modelo de força e trabalho tornou-se diretora da escola e jamais mudou sua postura com os alunos e pais. Continuou sendo a mesma Vilma, mulher porreta que carregava o mundo nas costas.  Tantos outros professores, mestres, influências absolutamente positivas na minha vida.

Todos eles eram (ou ainda são) professores estaduais, tanto quanto aqueles que no dia da Educação foram alvejados em Curitiba sob a força da Polícia Militar e a ordem do governador do estado.
A cada imagem vista tanto nas redes sociais quanto em outros canais de comunicação meu coração doía mais e mais. Além das pessoas maravilhosas que tenho como exemplo de profissão e de vida, eu sou professora, minha mãe é professora, minhas tias são professoras, muitxs amigxs são professores... minha avó (na verdade, avó do meu esposo) era professora. Essa, dona Maria Eda, morreu esperando receber uma causa que ganhou junto com tantos outros professores aposentados DO ESTADO do Rio Grande do Sul onde reclamaram a correção de uma aposentadoria inacreditável. Ela fez planos com o dinheiro até seus últimos dias, e não o recebeu. Não fosse meu sogro e toda sua dedicação, teria morrido a míngua com uma aposentadoria que, depois de corrigida, chegou à casa dos R$ 500,00. Isso mesmo, QUINHENTOS REAIS.

Para evitar um fim semelhante milhares de professores se mobilizaram em Fevereiro/2015 e histórica e heroicamente adentraram a Alep (Plenário da assembleia legislativa do Paraná), fazendo assim com que o projeto onde a aposentadoria dos servidores é prejudicada fosse suspenso. Com a pressão popular, o projeto saiu da pauta e tudo voltou ao normal.

No entanto, o tal “pacotaço” voltou a ser colocado em pauta, o que gerou a nova greve e com ela se desenhou o quadro terrível que acompanhamos desde então. Li alguém comentar, se não me engano foi o deputado Jean Wyllys, que além de serem professores desarmados e exercendo sua cidadania em um estado democrático, são rostos envelhecidos. E são. É um número altíssimo de pessoas que teve a vida profissional inteira dedicada ao magistério. Um vídeo bastante chocante, inclusive, foi de uma professora que chorava, muito machucada, dizendo que era isso que ganhava depois de 23 anos de magistério. É simplesmente desolador.

Muitas questões caminham paralelas a esse triste marco no meu estado e na minha profissão, tanto contextuais quanto de responsabilidades.

Que contexto político é esse que temos vivido? Que nome tem esse novo fenômeno (que nem é tão novo assim) onde algumas manifestações são respeitadas e valorizadas, tendo seus protagonistas como pessoas preocupadas com o país, a corrupção, a qualidade da saúde e da educação (desculpem-me, mas um absurdo discurso de senso comum); e outras são massacradas, machucadas, dilaceradas física e emocionalmente, tendo os mesmos policiais que pousaram para fotos com manifestantes um mês atrás tratando servidores públicos como ameaça, uma bomba relógio. Qual é o critério para escolher quando a força policial trabalha como se vivesse em 2015 em uma pátria democrática, ou na década de 60/70 como se usassem boinas vermelhas e respondessem a Getúlio Vargas? Até que ponto a seletividade de indignação, de apuração e de julgamento são fatores determinantes na hecatombe que aconteceu em Curitiba, assim como a que está acontecendo em Baltimore, e tantas outras que são noticiadas o tempo todo?

Quanto às responsabilidades, o que acontecerá com o governador e os deputados que votaram um projeto regado a sangue de servidor? Será como foi com Álvaro Dias em 1988, que usou da mesma truculência do seu seguidor Beto Richa lançando cachorros, cavalaria e bombas pra cima de professores? Apesar de ter ficado com esse episódio marcado em sua carreira continuou firme e forte, vencendo eleição após eleição, hoje ocupando uma vaga no Senado pelo mesmo estado que subjulgou há 27 anos. Se o ato autorizado por Álvaro Dias tivesse sido considerado criminoso, hoje talvez as coisas fossem diferentes. No entanto, ao se legitimar a violência em 1988, automaticamente se legitima em 2015. Quanto tempo mais o derramamento de sangue será legitimado? Qual o próximo governador tomará posse do militarismo? Qual será a próxima tentativa de desencorajar a luta? Será que cada um terá que guardar sua indignação no bolso com medo de ser massacrado? Ou teremos que passar outro longo período de história atrelando a necessidade de reivindicar melhorias ao risco eminente do ataque, da prisão, quiçá da morte?

Ficarei aqui, acompanhando os acontecimentos, registrando o que me for possível, e torcendo pela minha profissão e pelo meu estado, que sobrevivam a mais essa queda. Deixo como alento o discurso da menina Malala na entrega do Nobel que recebeu. Quase perdeu a vida porque queria estudar, e ao invés de desistir e viver em segurança, mudou de país, continuou lutando, escreveu um livro e ganhou um prêmio Nobel. Sua principal pauta não poderia ser outra: EDUCAÇÃO! E quando fala na educação como arma mais poderosa contra a guerra, que uma caneta é mais poderosa que uma espada, e que jamais, diante de qualquer terror, pode-se silenciar, qualquer semelhança com o desastre dessa semana não é mera coincidência.

“Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo. Educação é a única solução. Educação em primeiro lugar”.