domingo, 24 de março de 2013

Sai de baixo, literalmente...


    Durante a semana vimos, mais uma vez, as tragédias causadas pelas chuvas em Petrópolis. Mais uma vez muitas mortes, mais uma vez muita gente sofrendo, mais uma vez famílias dizimadas, e o pior de tudo isso: mais uma vez as autoridades jogando a culpa igual peteca para ver quem deixa cair.
    É um descaso total com a dor das pessoas e uma prova cabal de que está muito longe de tudo isso mudar.
    Hoje, assistindo uma reportagem sobre o assunto, vi um prefeito jogando a culpa no Estado e na União e, em contra partida, o secretário do meio ambiente empurrando o assunto para a prefeitura. A ÚNICA concordância dos dois foi a seguinte afirmação: A culpa, em grande parte, é das pessoas que estão lá.
    NÃO É.
    As pessoas estão erradas em voltar para as suas casas em situação de risco? Estão, claro. Mas a indagação tem que ir mais longe. A real questão nisso tudo é: O que o poder público faz para dar o respaldo que essas pessoas precisam para recomeçar a vida? NADA.
    Conheço muito bem a situação. Apesar de, graças a Deus, nunca ter sido vítima direta de catástrofes dessa natureza, eu morava em Blumenau em Novembro de 2008, quando o Vale do Itajaí foi vitimado por uma tragédia nunca antes vista em Santa Catarina.
    As coisas foram acontecendo muito mais rápido do que conseguíamos entender e quando nos demos conta percebemos que muitas localidades foram atingidas por desabamentos, centenas de pessoas estavam desabrigadas, o abastecimento de água da cidade estava suspenso porque as estações de tratamento foram atingidas por desabamentos ou enchentes (ou os dois), e o caos estava instituído.
    Reconheço aqui o desmedido empenho da Defesa Civil, do Corpo de Bombeiros e da Cruz Vermelha, assim como o apoio imediato dos estados do Paraná e Rio Grande do Sul, seguidos do Brasil todo. Eu e minha mãe dávamos aula em uma ONG situada em um dos bairros mais afetados, e assim que pudermos sair de casa (as pessoas ficaram quatro dias proibidas de sair de casa a não ser por uma emergência, para evitar maiores desgraças) fomos ver como a situação estava. Acabamos auxiliando da forma que conseguimos, mas o maior auxílio foi de uma equipe militar de Curitiba que incansavelmente cuidavam do abrigo garantindo a segurança e, acima de tudo, o companheirismo e a solidariedade a todos aqueles que precisavam.
    Narrei tudo isso para ilustrar que o que cabia aos civis, por assim dizer, foi feito. Adivinha o que falhou? O auxílio do poder público.
    Quase dois anos depois ainda existiam pessoas morando em abrigos ou em casa de familiares, sem receber nenhum tipo de subsídio ou apoio do governo. Muitas pessoas foram remanejadas sem nenhum planejamento para condomínios construídos para esse fim, ocasionando, por exemplo, uma superlotação nas escolas mais próximas e uma queda considerável na qualidade de ensino. Algumas (muitas, na verdade) pessoas acabaram voltando para as suas casas mesmo sabendo do grande risco corrido, pelo simples fato de ficarem esquecidas depois que o evento deixou de ser notícia.
    Tudo isso veio à tona hoje quando assisti, com grande repulsa, a politicagem de duas pessoas (prefeito e secretário) que não tem a mínima ideia do que é a dor de passar por traumas tão grandes.
    Não quero afirmar aqui que a população de forma geral é imune de responsabilidades. Não é. Constrói-se em encostas, se desrespeita determinação de Defesa Civil, etc., etc., etc. Mas onde está a fiscalização da secretaria de obras das cidades? Na reportagem que impulsionou o post de hoje vi um professor que coordena um estudo nos solos de Petrópolis há quatro anos. Como, COMO nada pode ter sido feito em todo esse tempo?
    Vi um homem ser entrevistado, homem esse que teve sua foto circulando nas redes sociais essa semana por já estar em Petrópolis há muitos anos atrás em outra tragédia. Ele estava lá, no mesmo lugar, vendo as mesmas calamidades. Na época tinha só vinte anos, mas agora perdeu a filha e os netos. Com a voz embargada contou: “os filhos acham que a gente é herói, mas numa hora dessas a gente vê que é tão pequeno”...
    Quando o Brasil terá uma política efetiva de prevenção para desastres naturais? Quando especialistas começarão a ser ouvidos ao invés de políticos sem nenhuma instrução ou propriedade sobre o assunto? Quando moradores de locais como a região serrana do Rio de Janeiro, o Vale do Itajaí, a cidade de São Paulo e diversas cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo poderão ficar tranquilos na temporada das chuvas? Quando os agricultores deixarão de sofrer em decorrência da falta de investimento e planejamento nas estiagens mais severas? Quando o Nordeste e o Centro-oeste deixarão de se preocupar com as queimadas que são, além de tudo, extremamente prejudiciais para o meio ambiente de forma geral?
    Enquanto todas essas perguntas não tiverem uma resposta objetiva o país continuará assistindo (alguns, inclusive, de camarote) o seu povo sofrer desmedidamente, e tendo esse sofrimento cada vez mais espezinhado por não vislumbrar, de maneira alguma, uma mudança no roteiro desse filme de terror. 




terça-feira, 19 de março de 2013

A violência que nem sempre salta aos olhos...

   Não escrevi domingo – dia que normalmente escrevo – porque tive que trabalhar. Como hoje estou de folga pensei: “opa, atualizarei o blog”. Mas fiquei vários momentos em frente ao computador sem saber o que escrever. Resolvi não insistir. Desliguei. Liguei. Nada. Desliguei. Liguei. Nada.
   Um pouco antes de sair de casa vi uma notícia que me fez pensar no que quero escrever. Não divulgarei o link porque desconheço a veracidade do fato, mas mesmo que a notícia em questão não seja verdadeira, é fato que isso acontece o tempo todo: a violência à criança e ao adolescente.
   Não quero escrever sobre a política – ou a falta dela – porque às vezes me sinto repetitiva. Quero escrever sobre o desaparecimento gradual da infância e o quanto isso me entristece.
   A notícia da qual falei era sobre um menino de cinco anos que foi encontrado, pelos vizinhos, prisioneiro dentro de um dos quartos da casa dos pais adotivos, com febre e cheio de hematomas. Essa é só mais uma das milhões de reportagens que circulam em todas as mídias o tempo todo.
   É, definitivamente, um ponto de reflexão. O que é feito a esse respeito? Cada vez mais os casos de violência (de todo tipo, por sinal) tem crescido desmedidamente. Os que mais chamam atenção, lógico, são os que envolvem espancamento, violência sexual e abandono, mas isso é porque temos o triste hábito de dar atenção apenas para situações extremas ao invés da raiz do problema.
   Não é apenas nas famílias desestruturadas, marginalizadas, de baixa renda e brindadas com qualquer rótulo que venha a calhar que a violência acontece; é o tempo todo.
   A meu ver, uma criança que passa o dia todo na frente do computador/videogame, alimentando-se mal e ficando obesa está sendo violentada. Uma criança que não tem participação dos seus pais em sua vida escolar está sendo violentada. Uma criança cujos pais não estabelecem qualquer diálogo que seja está sendo violentada. Uma criança que é responsabilizada de tudo que acontece em casa (normalmente dos problemas e preocupações) está sendo violentada. Uma criança que não tem uma rotina determinada pelo adulto da casa, onde tenha horário para dormir e acordar podendo ter uma boa noite de descanso e um dia produtivo, está sendo violentada. Uma criança que ganha um aparelho celular com acesso a internet, jogos, músicas e redes sociais ao invés de uma bola/chuteira/patins/bicicleta, adivinhem: está sendo violentada.
   Agora, como falei em um outro post, não estou mais em sala de aula, mas no ano em que trabalhei com adolescentes do 6º ano à 8ª série, em vários momentos me peguei pensando em qual tipo de formação eu, enquanto parte atuante de uma instituição social que é a escola, estava dando para aquelas centenas de adolescentes.
   Sabe-se falar hoje que o jovem não entende de política, não dá valor ao voto, não participa ativamente da sociedade, etc., etc., etc., mas qual é o espaço que esse jovem tem para aprender que isso é importante e que fará diferença em sua vida.
   As famílias estão cada vez mais preocupadas em adquirir bens e tecnologias desmedidamente. A questão financeira muitas vezes vira o centro de todas as preocupações. Em contrapartida, a escola está cada vez mais preocupada em cumprir currículos e dar conta de conteúdos programáticos e, por sua vez, acaba tendo a burocracia como o centro das atenções. Esse adolescente é duplamente violentado quando tem, na época mais importante de sua formação como cidadão, o boicote dos dois ambitos que deveriam o impulsionar.
   Certa vez adotei como avaliação semestral um debate envolvendo a 7ª e a 8ª série de uma das escolas em que lecionava. O tema eleito pelas turmas mediante votação foi “Pena de Morte”. Através de sorteio foi decidido qual turma seria contra e qual seria a favor do tema em questão. Após as definições, passamos a fazer uso de duas das cinco aulas de Português que as turmas tinham por semana para as atividades do debate. Os alunos mergulharam de cabeça, inclusive um garoto que tinha dezessete anos e estava na 8ª série e, claro, era o problema da escola. Ele se destacou de tal forma no debate, que jamais esquecerei inclusive o tom da sua voz.
   Os alunos pesquisaram em livros, revistas e – lógico – na internet, trouxeram textos, pontuaram, deram sua opinião, brigaram uns com os outros, gritaram, abandonaram grupos de discussões e depois retomaram, enfim, exerceram sua voz e sua vez. Assistimos inclusive os debates das eleições presidenciais de 2010 para entender seu funcionamento. Quando perguntei aos demais professores se poderiam me auxiliar e tornar a atividade um projeto interdisciplinar, a esmagadora maioria disse que não, que era uma perca de tempo e que eu estava fazendo isso só porque era nova...logo me desiludiria (nesse momento, eu é que me senti extremamente violentada). O professor de Informática e a professora de Matemática foram os únicos a me dar suporte e acabaram envolvendo-se também, assim como a coordenadora pedagógica e a diretora.
   Chegado o grande dia, montamos bancadas, telão com multimídia e compusemos a mesa dos jurados. Eu expliquei as regras e o debate começou. Cada grupo tinha dez argumentos defendendo seu ponto de vista. Para cada argumento eram destinados cinco minutos de exploração, três minutos de réplica e mais três de tréplica. Conforme iam debatendo eu me surpreendia cada vez mais com o altíssimo nível que aquela atividade alcançou. Nem eu imaginei que chegaria a tanto. Não precisei aplicar provas e nem dar trabalhos onde eles copiassem assuntos da internet e me entregassem. Não precisei dar prova de recuperação. Não precisei deixar nenhum, absolutamente NENHUM aluno daquelas turmas em exame aquele ano. De certa forma, aqueles alunos se tornaram inesquecíveis na minha vida e eu, quem sabe, na deles.
   Esse é o tipo de escola que forma um cidadão. Essa escola forma pessoas pensantes. Uma escola formadora de opinião forma formadores de opinião. Não, não existe redundância na sentença anterior, é a mais pura realidade.
   Quando a criança voltar a jogar bola na rua, ler os livros da biblioteca, brincar de STOP em casa depois do jantar, ver seus pais respeitando seus professores, temer pela reprovação e valorizar cada vez mais o aprendizado, conversar olhando nos olhos e não na tela de um computador, valorizar as pequenas coisas – e não as mais caras...a violência à infância diminuirá.
   Quando o adolescente voltar a construir suas relações no dia a dia, nas gargalhadas (e não no tal do hahahaha), quando tiver em seus pais os primeiros amigos (se os pais também nessa posição se colocarem), quando se envolverem em grupos estudantis, quando aprenderem a importância que o simples ato de escolher um candidato e dar seu voto a ele tem, quando voltarem a se respeitar uns aos outros e a valorizar seu sentimento e sua sexualidade, quando crianças pararem de terem crianças, quando as deficiências sociais pararem de arrancar os adolescentes da vida que deveriam ter e, acima de tudo, quando o jovem for respeitado mediante sua importância na sociedade...a violência à adolescência diminuirá.
   Quanto ao começo do post e a violência física, constante e palpável que acomete milhares, milhões de crianças e adolescentes, quero deixar claro que o assunto apenas impulsionou o que se seguiu depois. Se for para falar desse tipo de violência, não tem como não falar de uma sociedade falida e desrespeitosa, mentirosa e arrogante, prepotente e bajuladora, cheia de órgãos criados para dar cargo a quem interessa e não para resolver questões de determinadas “pastas”, cheia de políticas manipuladoras e de camuflagens surreais do que verdadeiramente acontece. Se um dia escreverei sobre? Certamente...mas não hoje. Não agora.

...

   Agora estou saudosa da infância de outrora. Como mesmo disse o maravilhoso Casimiro de Abreu: “Oh! que saudade que eu tenho / Da aurora da minha vida, / Da minha infância queria / Que os anos não trazem mais! (...) (Meus oito anos).