Não escrevi domingo – dia que normalmente escrevo – porque tive que trabalhar. Como hoje estou de folga pensei: “opa, atualizarei o blog”. Mas fiquei vários momentos em frente ao computador sem saber o que escrever. Resolvi não insistir. Desliguei. Liguei. Nada. Desliguei. Liguei. Nada.
Um pouco antes de sair de casa vi uma notícia que me fez
pensar no que quero escrever. Não divulgarei o link porque desconheço a
veracidade do fato, mas mesmo que a notícia em questão não seja verdadeira, é
fato que isso acontece o tempo todo: a violência à criança e ao adolescente.
Não quero escrever sobre a política – ou a falta dela –
porque às vezes me sinto repetitiva. Quero escrever sobre o desaparecimento
gradual da infância e o quanto isso me entristece.
A notícia da qual falei era sobre um menino de cinco anos
que foi encontrado, pelos vizinhos, prisioneiro dentro de um dos quartos da
casa dos pais adotivos, com febre e cheio de hematomas. Essa é só mais uma das
milhões de reportagens que circulam em todas as mídias o tempo todo.
É, definitivamente, um ponto de reflexão. O que é feito a
esse respeito? Cada vez mais os casos de violência (de todo tipo, por sinal)
tem crescido desmedidamente. Os que mais chamam atenção, lógico, são os que
envolvem espancamento, violência sexual e abandono, mas isso é porque temos o
triste hábito de dar atenção apenas para situações extremas ao invés da raiz do
problema.
Não é apenas nas famílias desestruturadas, marginalizadas,
de baixa renda e brindadas com qualquer rótulo que venha a calhar que a violência
acontece; é o tempo todo.
A meu ver, uma criança que passa o dia todo na frente do
computador/videogame, alimentando-se mal e ficando obesa está sendo violentada.
Uma criança que não tem participação dos seus pais em sua vida escolar está
sendo violentada. Uma criança cujos pais não estabelecem qualquer diálogo que
seja está sendo violentada. Uma criança que é responsabilizada de tudo que
acontece em casa (normalmente dos problemas e preocupações) está sendo
violentada. Uma criança que não tem uma rotina determinada pelo adulto da casa,
onde tenha horário para dormir e acordar podendo ter uma boa noite de descanso
e um dia produtivo, está sendo violentada. Uma criança que ganha um aparelho
celular com acesso a internet, jogos, músicas e redes sociais ao invés de uma
bola/chuteira/patins/bicicleta, adivinhem: está sendo violentada.
Agora, como falei em um outro post, não estou mais em sala
de aula, mas no ano em que trabalhei com adolescentes do 6º ano à 8ª série, em
vários momentos me peguei pensando em qual tipo de formação eu, enquanto parte
atuante de uma instituição social que é a escola, estava dando para aquelas
centenas de adolescentes.
Sabe-se falar hoje que o jovem não entende de política, não
dá valor ao voto, não participa ativamente da sociedade, etc., etc., etc., mas
qual é o espaço que esse jovem tem para aprender que isso é importante e que
fará diferença em sua vida.
As famílias estão cada vez mais preocupadas em adquirir bens
e tecnologias desmedidamente. A questão financeira muitas vezes vira o centro de
todas as preocupações. Em contrapartida, a escola está cada vez mais preocupada
em cumprir currículos e dar conta de conteúdos programáticos e, por sua vez,
acaba tendo a burocracia como o centro das atenções. Esse adolescente é
duplamente violentado quando tem, na época mais importante de sua formação como
cidadão, o boicote dos dois ambitos que deveriam o impulsionar.
Certa vez adotei como avaliação semestral um debate
envolvendo a 7ª e a 8ª série de uma das escolas em que lecionava. O tema eleito
pelas turmas mediante votação foi “Pena de Morte”. Através de sorteio foi
decidido qual turma seria contra e qual seria a favor do tema em questão. Após
as definições, passamos a fazer uso de duas das cinco aulas de Português que as
turmas tinham por semana para as atividades do debate. Os alunos mergulharam de
cabeça, inclusive um garoto que tinha dezessete anos e estava na 8ª série e,
claro, era o problema da escola. Ele se destacou de tal forma no debate, que
jamais esquecerei inclusive o tom da sua voz.
Os alunos pesquisaram em livros, revistas e – lógico – na internet,
trouxeram textos, pontuaram, deram sua opinião, brigaram uns com os outros,
gritaram, abandonaram grupos de discussões e depois retomaram, enfim, exerceram
sua voz e sua vez. Assistimos inclusive os debates das eleições presidenciais
de 2010 para entender seu funcionamento. Quando perguntei aos demais
professores se poderiam me auxiliar e tornar a atividade um projeto
interdisciplinar, a esmagadora maioria disse que não, que era uma perca de
tempo e que eu estava fazendo isso só porque era nova...logo me desiludiria
(nesse momento, eu é que me senti extremamente violentada). O professor de
Informática e a professora de Matemática foram os únicos a me dar suporte e
acabaram envolvendo-se também, assim como a coordenadora pedagógica e a
diretora.
Chegado o grande dia, montamos bancadas, telão com
multimídia e compusemos a mesa dos jurados. Eu expliquei as regras e o debate
começou. Cada grupo tinha dez argumentos defendendo seu ponto de vista. Para
cada argumento eram destinados cinco minutos de exploração, três minutos de
réplica e mais três de tréplica. Conforme iam debatendo eu me surpreendia cada
vez mais com o altíssimo nível que aquela atividade alcançou. Nem eu imaginei
que chegaria a tanto. Não precisei aplicar provas e nem dar trabalhos onde eles
copiassem assuntos da internet e me entregassem. Não precisei dar prova de
recuperação. Não precisei deixar nenhum, absolutamente NENHUM aluno daquelas
turmas em exame aquele ano. De certa forma, aqueles alunos se tornaram inesquecíveis
na minha vida e eu, quem sabe, na deles.
Esse é o tipo de escola que forma um cidadão. Essa escola
forma pessoas pensantes. Uma escola formadora de opinião forma formadores de
opinião. Não, não existe redundância na sentença anterior, é a mais pura
realidade.
Quando a criança voltar a jogar bola na rua, ler os livros
da biblioteca, brincar de STOP em casa depois do jantar, ver seus pais respeitando
seus professores, temer pela reprovação e valorizar cada vez mais o
aprendizado, conversar olhando nos olhos e não na tela de um computador,
valorizar as pequenas coisas – e não as mais caras...a violência à infância
diminuirá.
Quando o adolescente voltar a construir suas relações no dia
a dia, nas gargalhadas (e não no tal do hahahaha),
quando tiver em seus pais os primeiros amigos (se os pais também nessa posição
se colocarem), quando se envolverem em grupos estudantis, quando aprenderem a
importância que o simples ato de escolher um candidato e dar seu voto a ele
tem, quando voltarem a se respeitar uns aos outros e a valorizar seu sentimento
e sua sexualidade, quando crianças pararem de terem crianças, quando as
deficiências sociais pararem de arrancar os adolescentes da vida que deveriam
ter e, acima de tudo, quando o jovem for respeitado mediante sua importância na
sociedade...a violência à adolescência diminuirá.
Quanto ao começo do post e a violência física, constante e palpável
que acomete milhares, milhões de crianças e adolescentes, quero deixar claro
que o assunto apenas impulsionou o que se seguiu depois. Se for para falar desse
tipo de violência, não tem como não falar de uma sociedade falida e
desrespeitosa, mentirosa e arrogante, prepotente e bajuladora, cheia de órgãos criados
para dar cargo a quem interessa e não para resolver questões de determinadas “pastas”,
cheia de políticas manipuladoras e de camuflagens surreais do que
verdadeiramente acontece. Se um dia escreverei sobre? Certamente...mas não
hoje. Não agora.
...
Agora estou saudosa da infância de outrora. Como mesmo disse
o maravilhoso Casimiro de Abreu: “Oh! que saudade que eu tenho / Da aurora da
minha vida, / Da minha infância queria / Que os anos não trazem mais! (...)
(Meus oito anos).
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