domingo, 18 de janeiro de 2015

Eu Pollyanno, tu Pollyannas, Ele Pollyanna...

Há muito tempo não escrevo. A razão? Um misto de acontecimentos e sentimentos. Terminei minha especialização e sua última etapa foi o TCC que, claro, me tomou um tempo absurdo. Além disso, em vários momentos pensei em escrever sobre várias coisas, mas não queria fazê-lo de maneira carregada e nem cheia de impulsos. Sei que cada linha escrita responsabiliza grandemente quem a escreveu.

Durante as eleições "escrevi" posts completos em minha cabeça enquanto assistia TV, tomava banho, ia ou vinha do trabalho, mas não queria escrever, não queria registrar. Escrevi muito e o tempo todo através do facebook, pois foi um momento em que me vi mergulhada numa necessidade avassaladora de discutir (no sentido de debater, refletir), e o blog não me oferece essa dinâmica. 

Mas chegou a hora de voltar pra cá, afinal, além de organizar minhas ideias escrevendo, é um exercício que priorizo: não deixar de escrever jamais. 

Não vim escrever sobre um assunto específico, mas sobre um sentimento que permeia tudo. O Amor. Quero escrever despretensiosamente, afinal, quem sou eu pra falar com propriedade sobre o que move o mundo? Não nego que a impulsionadora para essa reflexão foi a execução de Marco Cardoso na Indonésia. Não entrarei no mérito da condenação por dois motivos: sou terminantemente contra a pena de morte independente de qualquer coisa, e não é esse o assunto a que me propus falar. Mas foi a válvula pra que eu organizasse minhas reflexões.

Falar de amor não é clichê, é preciso. Tem faltado cada vez mais amor no mundo. Já escrevi essa frase algumas vezes no blog, a falo constantemente, mas continuarei batendo nessa tecla até enxergar uma mudança concreta nesse sentido.

Morin, em seu livro A minha esquerda - que já mencionei em algum momento aqui no blog - fala sobre a institucionalização da solidariedade. Nada mais é do que a falta de amor ao próximo, ao mundo, à natureza, à sociedade como um todo. Paramos de olhar (e muitas vezes me incluo nesse grupo) para uma sociedade macro, onde muitas coisas acontecem ao nosso redor. Não falo aqui em acabar com a fome no mundo, mas sim em atentar para quem está ao meu redor, alguém da família, um amigo, um conhecido, uma criança sozinha na rua...Situações corriqueiras que nos passam batidas porque não estamos olhando pra elas. Estamos cada vez mais preocupados com a sociedade micro, aquela onde só há espaço pra mim, meus desejos, minhas necessidades. Todo o resto é institucionalizado: para uma criança na rua - conselho tutelar, para uma mãe que precisa de ajuda - assistência social, para uma criança que não se enquadra em sua sala de aula - ritalina. Tudo isso, sem exceção, é falta de amor. Somada, clara, a diversos contextos, mas começa na falta de amor. 

Não acho que vivamos um cenário apocalíptico, ainda tenho um resquício de fé na humanidade, mas é passado o momento da reflexão. Durante as eleições de 2014 fiquei chocada com todo o cenário que se desenhou. Não criticarei aqui nenhum posicionamento, nem exporei o meu. Apenas defenderei o que tenho dito desde o começo do post: falta amor. Vi, enquanto observadora, ofensas aterradoras sendo esbravejadas a torto e a direita. Fui vítima delas em muitos debates. Procurei não proferir nenhuma, e tudo que eu escrevia, antes de publicar, lia novamente, para que não corresse o risco de cair no mesmo equívoco. Se mesmo assim o fiz, peço perdão. Mas o que me chocou, verdadeiramente, foi a erupção de discursos cheios de ódio, preconceito, rótulos...uma falta de amor pelo semelhante, pelo país, pela democracia. Eu mesmo já defendi aqui - e continuo defendendo - que temos uma democracia bastante distorcida e manipulada, mas é uma democracia. Quanto sangue foi derramado para que a tivéssemos! 

Em um outro momento vimos o episódio do goleiro Aranha, que em um jogo aqui mesmo em Porto Alegre foi gravemente ofendido. Quando a torcedora foi condenada, discursos diversos surgiram em sua defesa, assim como em defesa do seu ato: "estádio de futebol é assim mesmo", "Aranha tem complexo de coitadinho", "a menina não é racista, ela tem amigos negros, já até namorou um negro"...e por aí vai. Como assim? É preocupante a onda crescente e retrógrada do "preconceito é coisa da cabeça do negro, a sociedade não é mais assim". É sim! Vivemos em uma sociedade extremamente racista, preconceituosa e marginalizadora. A própria RBS - afiliada da rede Glogo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina - carrega através de muitos colaboradores da emissora esse mesmo discurso tão carente de ética, civilidade, honestidade. O próprio Pelé, em um discurso quase esclerosado, toma posse de uma fala extremamente racista e dissimulatória falando do caso, e diz que quanto mais se "dá bola pra isso", pior fica. Quer mais falta de amor ao próximo que isso?

Ainda no final de 2014 - que ano - tivemos o triste episódio envolvendo Bolsonaro e Maria do Rosário. Episódio esse que, talvez, tenha me chocado mais do que todos os outros. Explico: Muitas, mas muitas pessoas simplesmente blindaram toda sua capacidade sensorial para o que estava sendo dito - em outras palavras, o Deputado Jair Bolsonaro estava a defender que algumas mulheres merecem SIM serem estupradas, só não a Maria do Rosário - levando o triste episódio para a discussão esquerda X direita. Inacreditável. Não interessa o que foi dito, de que maneira foi dito, QUAL O TEOR DO QUE FOI DITO. O que interessa é que Maria do Rosário é petista, então se eu sou de direita, apoio e argumento justificando o posicionamento de Bolsonaro, porque ele é direita e me representa. E ainda digo que hoje em dia, por conta de tanto ativismo aqui e ali, não se pode dizer mais nada que já é machismo/racismo/homofobia...quanta frescura. 

Quer mais falta de amor que isso? Em troca da defesa de um posicionamento político que, convenhamos, nem faz tanto sentido assim, vende-se a alma pro diabo e se defende a negligência, a violência, a guerra ao próximo. 

Por que escrever sobre tudo isso agora, que já passou? Porque o caso da execução na Indonésia não só do brasileiro mas de todos os outros fomentou a necessidade de exteriorizar. Nas férias assisti o filme "Os últimos passos de um homem" (título original: Dead man walking), estrelado brilhantemente por Sean Penn e Susan Sarandon. Ele, como tantas outras produções americanas, traz a história de alguém que espera a execução (Sean Penn) e, nesse caso, da freira que é conselheira espiritual (Susan Sarandon). O filme trata de um crime bárbaro e mostra duas famílias atormentadas. Assisti o filme com minha mãe, que tem o mesmo posicionamento que eu com relação a isso, e enquanto conversávamos o principal ponto de análise foi: que tipo de alívio ou compensação a morte trouxe para as famílias? Nenhum. Porque continuarão atormentadas e despedaçadas enquanto a perda de seus entes não for superada. Qual é o exemplo que a Indonésia quer pregar? Que não se deve traficar? Tudo bem, mas porque não condenar, extraditar, multar ou o que quer que seja? E executando o traficante o tráfico acaba? Claro que não, porque por trás de meros laranjas existem cartéis mais fortes que o estado que são praticamente inatingíveis. Logo, qual é a justificativa para o estado tirar a vida de quem quer que seja? Nenhuma. Considerando vários pontos de vista, encarando o assunto por vários ângulos, em nenhum a execução se justifica. Ninguém, em situação nenhuma, pode ter a autonomia para tirar a vida de outra pessoa, principalmente de maneira legal, autorizada pelo estado e sendo bem vista por grande parte da população.

Mais triste ainda é ver/ouvir comentários do tipo: isso é certo, vamos mandar mais alguns pra lá...não concorda, leva pra casa...e por aí vai. São delírios quase inacreditáveis vindos de cidadãos brasileiros, cuja ditadura, de tão recente, ainda deixa cheiro de sangue nos porões, cuja guerra às drogas, de tão equivocada, deixa um rio de sangue nas favelas/periferias de vários Patricks. Cadê a memória? Cadê o senso humanitário? Cadê o amor? 

Por tudo isso escrevi, pra exteriorizar todo o lamento que tenho pelos fatos supracitados assim como por tantos outros que são noticiados, quase que diariamente, mostrando o quanto o mundo está sedento de amor. Espero que 2015 traga um pouco mais de paz, de boas ações, de notícias felizes. Não é que eu seja meio Pollyanna, mas é preciso ao menos acreditar que podemos ter dias mais bonitos!