segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

"Isso aqui não é cartório..."

Me comprometi, durante a semana que passou, em não escrever, me manifestar ou direcionar meu pensamento a nada na Internet que não fosse a terrível tragédia que envolveu o Chapecoense de Santa Catarina, vitimando 71 pessoas e causando uma comoção mundial. Conversei com colegas que moram e trabalham em Chapecó, escrevi uma ou outra mensagem com a hashtag #forçachape e mandei todas as energias positivas que me foram possíveis para tantas famílias que estão hoje – e permanecerão por muito tempo – despedaçadas.

Eu tenho grande dificuldade em “lidar” com a morte, por assim dizer. Ela me choca, me entristece, me amedronta. Então o abalo dessa semana foi imenso e muito próximo. No entanto, muita coisa no cenário político do país também aconteceu e é preciso falar sobre.

Na noite em que o mundo chorava pelo time épico do interior de Santa Catarina, os “representantes do povo” votavam questões decisórias para o país: a PEC 55 e a alteração da lei que atingiria diretamente o andamento da Lava Jato. Não foi porque a população estava em luto que as votações foram feitas, nem porque estava assistindo as homenagens aos mortos nem porque estava distraída; há muito não se preocupa com o que o povo pensa ou deixa de pensar. Há muito não se toma cuidado com o que fazer ou como fazer. A falta de escrúpulos não foi votar “as escondidas”. Foi simplesmente votar.

No dia ontem, 04/12/2016, uma parcela da população saiu às ruas para protestar contra Renan Calheiros e Rodrigo Maia, assim como para exaltar Sérgio Moro e sua atuação na Lava Jato. Vejo inúmeras contradições que geram imensos perigos nisso tudo:

  • Há uma gritante diferença entre os protestos dos estudantes (sejam eles universitários ou secundaristas) no que concerne a atuação da polícia. Nos episódios em que movimentos estudantis vão para a rua, assim como movimentos dos jornalistas livres ou qualquer outro que afronte diretamente o Presidente (interino) da República, há uma ostensiva ação de combate, de guerra. Enquanto estes não podem manifestar sua indignação (direito constitucional de cada cidadão que vive em uma democracia) sem correrem riscos absurdos – vide a manifestante que ficou cega, sim, CEGA – no dia de ontem havia um caminhão, trio elétrico ou algo do tipo defendendo a intervenção militar, isso mesmo, aquele negócio que é inconstitucional, sabe? Então, ali não houve nenhuma intervenção policial, nem tranquila nem truculenta, simplesmente fez-se de conta que nada se viu e a vida seguiu. Por que ignorar um ato criminoso? Um dos registros que melhor retratam isso é a foto, tirada de dentro de um dos salões de Brasília, de um coquetel refinado enquanto, ao desfrutar do mesmo, os que ali estavam presentes assistiam e registravam o absurdo que estava sendo feito no gramado do quintal com os manifestantes. Bem divertido!

  • Os discursos não batem. Havia um ódio quase físico da Presidente Dilma, um ódio quase palpável. Se pedia o impeachment o tempo todo, mesmo isso significando o Brasil estar nas mãos do trio Temer, Cunha e Calheiros tendo um congresso e um senado praticamente sem oposição (é preciso ser muito ingênuo para não se reconhecer o risco). Havia todo esse ódio mesmo sem Dilma ter seu nome mencionado nas delações premiadas nem nas listas da Odebrecht, ou em qualquer dos muitos lugares onde se procurou na Lava Jato. O pessoal nunca se perguntou porque um congresso e um senado cheio de banditismo odiava tanto assim a presidente? Ora, a mim sempre foi lógico que ela representava uma ameaça. Em meio a um teatro bem arquitetado o impeachment foi aprovado. Na mesma semana as tais “pedaladas fiscais” – motivo alegado para o afastamento da presidente, receberam uma maquiagem e foram legitimadas. Pronto, tudo resolvido. O país pode continuar fazendo o que sempre fez (vide governo de FHC) e fica tudo certo. As mesmas pessoas que pediam incansavelmente a saída da Dilma admitem Temer que, no vulgo linguajar popular, é mais sujo que pau de galinheiro, atuando na presidência da república. Aquele brasão do “primeiro a gente tira a Dilma, depois o Temer”, como eu disse inúmeras vezes, é a maior ingenuidade que se poderia ter (para não dizer mau-caratismo, cada um tira as conclusões que quiser). Quem tira? O congresso? O Senado? Instâncias que tem a maioria da bancada composta por PMDB e coligados? Vamos, lá! Quem tira? Não tira, minha gente, muito pelo contrário, mantém, blinda, aprova medidas que jamais seriam aprovadas não fosse esse o contexto. Como o Brasil pode ter uma massa tão manipulada a ponto de não perceber? E nem entro no mérito de esquerda X direita, mas sim de análise mesmo. Bom senso. Como disse o deputado federal Rodrigo Maia essa semana, “o congresso não é obrigado a ouvir o povo, isto aqui não é como um cartório onde a gente carimba o que o povo está pedindo”. Alguém pode avisar esse senhor que ele está completamente equivocado, por gentileza?

  • Ainda relacionado ao tópico anterior, os tais “protestos” de ontem foram organizados por movimentos como o MBL, grandemente financiados por partidos (principalmente o PMDB). Resultado? Em Brasília um carro de som avisou que não era uma marcha “Fora Temer”, que há plena confiança no presidente. Enquanto isso, o empresário Rogerio Chequer do movimento Vem pra Rua diz que “não é o caso de lutar para mudar um governo sem ter um movido decente para isso”. Sério? Como uma massa, se não manipulada por movimentos extremamente parciais, consegue defender tamanha besteira sem ao menos argumentar, pensar? Vejam que coisa patética: “nossa manifestação não é contra o honrado presidente Temer, mas sim quanto a tudo que ELE, sim, ELE ESTABELECEU”. Como assim? Alguém me explica?!

  • Por que o brasileiro precisa de um herói? Quando Lula foi eleito, foi tido como o herói do pobre. Que a vida do pobre melhorou, isso é fato (hey, bro, me incluo nesse balaio). As facilidades de financiamento e crédito de todas as origens, assim com a instituição do PROUNI, a ampliação do FIES e a criação/ampliação de tantas universidades e escolas técnicas melhorou consideravelmente o nível de vida do brasileiro, oportunizou conquistas nunca sonhadas por uma parcela grande da população. No entanto, Lula não foi herói. Fez diversas alianças que contrariavam (e contrariam) todo o princípio ético de uma dita esquerda que se sentiu traída. Na época do julgamento do mensalão, o então herói virou Joaquim Barbosa, que homem justo e idôneo, que pessoa maravilhosa. A decepção veio depois, ao se levantar que Joaquim Barbosa também era suspeito de enriquecimento ilícito. Heróis foram surgindo e sendo derrubados aqui e ali, e no auge da Lava Jato o herói da vez é o Juiz Sério Moro. Este que tem uma postura bastante parcial ao fazer/emitir suas análises. Já foi apontada, num passado recente, sua ligação com alguns partidos políticos que coincidentemente tem sua aparição na Lava Jato bastante minimizadas. É preciso estancar essa necessidade de alimentar uma dicotomia, não há mocinho e bandido, não há herói sem um percentual de vilão nem nos filmes da Marvel (vide Guerra Civil), e a partir do momento que o povo começa a idolatrar alguém, simplesmente se fecha os olhos para todo o resto. Essa postura, além de nociva, é extremamente perigosa. Foi isso que a Alemanha fez com Hitler.

  • E por fim me impressiona e enoja a parcialidade de toda a pútrida grande mídia, sem exceção. Ontem houve uma cobertura inacreditável desse circo patético regado a vergonha alheia apelidado de manifestação. Alguém viu algum manifestante levantar algum questionamento sobre a PEC 55? Não né! Alguém viu o Fantástico, em algum momento desse ano, fazer um programa inteiro com notícias sobre as ocupações nas escolas e universidades mostrando, além da ocupação em si, a organização e as pautas levantadas pelos universitários e, principalmente, os secundaristas? Não, né. Alguém reparou como dezenas de vezes os repórteres utilizam o adjetivo “pacífico” aliado a qualquer substantivo que faça referência à manifestação, frisando que a manifestação verde e amarela não tem confusão? Alguém associou esse fato ao detalhe da manifestação verde amarela não precisar se preocupar em nenhum momento sobre como se defender de acuação, bomba de efeito moral, cassetete e bala de borracha? Não, né. Alguém percebeu que a manifestação canarinha não contava com pelotão de choque e cavalaria acompanhando os manifestantes? Não né.

É importante esclarecer que, no meu ponto de vista, toda manifestação contra uma ordem vigente criminosa é válida DESDE QUE as pessoas saibam o que estão falando. É preciso falar sobre política com menos ódio e mais clareza. Ontem, em uma das cidades em que se noticiou manifestação, havia ao lado do boneco inflável do Renan Calheiros um outro do Lula. Qual é a moral? Qual é sua parte nesse governo? Qual é a relação dos protestos com ele? Ele está sendo investigado, está prestando contas, e não está no governo propondo ou aprovando medidas esdrúxulas. Há um interesse tão imenso em condená-lo que, se houver motivo para isso, certamente será descoberto. 


Independente de defender uma política com ideologia de esquerda ou de direita, precisamos em uníssono (e sem essa polaridade burra) defender uma política honesta. Essa ruptura da população é o combustível que alimenta tudo que está nos sendo posto goela abaixo. Não importa a corrente filosófica, o momento agora exige reflexão. Deixemos as torcidas inflamadas de paixão para o campeonato brasileiro/copa do brasil/copa libertadores de 2017! Política não é futebol.