domingo, 28 de novembro de 2010

Estudantes X ENEM

Como não poderia deixar de ser, eu quero – e preciso – escrever sobre o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio.

O ENEM realizado no primeiro final de semana de Novembro foi, sem dúvida, o ápice de uma crise crescente na realização do mesmo. Esse exame que teoricamente deveria servir para facilitar o egresso de alunos no Ensino Superior tem aterrorizado os que se candidatam a ele. Os estudantes se aplicam incansavelmente para ter um bom resultado em uma prova que pode decidir seu futuro acadêmico, e ano após ano ela se mostra falha, imprecisa e desrespeitosa. Primeiro vazam gabaritos, depois dados dos inscritos são expostos na internet, e agora – com chave de ouro – se fecha mais um ciclo de fiascos.
Não vou nem entrar no mérito da confusão que ele causou nos vestibulares, pois existem universidades que o tem apenas com percentual de nota e podem simplesmente desconsiderá-lo; no entanto, há aquelas que o tem como próprio vestibular, e de uma hora pra outra é impossível montar um exame seletivo no improviso. Como resolverão? Não sei, acho que ninguém sabe.

Com tudo isso, um belo dia o advogado da União deu uma entrevista a um jornal falando que a instituição que ele defende não concorda com o cancelamento da prova e nem com a reaplicação da tão famosa prova amarela, porque seria uma injustiça com os outros estudantes que só tiveram uma oportunidade de fazê-la. Mas eu fico aqui me perguntando: a prova foi justa com os milhares de estudantes que tiveram que responder um exame confuso e mal preparado? E vou mais longe: será que era só a tal da prova amarela que tinha problema?

Que o ENEM deveria ser totalmente cancelado e reaplicado para todos que o fizeram, isso não tem nem discussão. Agora, já que o Ministério da Educação tem batido o pé seguidamente – e no Brasil quem bate o pé sai com a razão – para não refazer toda a prova, pelo menos poderia ter a dignidade de assumir um erro grotesco, ou melhor, uma sequência de erros, e tentar fazer o possível para confortar essas pessoas tão desoladas pela incerteza de seus destinos acadêmicos.

Agora resta esperar e ver quem decidirá o quê. Se o MEC falará mais alto deixando as coisas no dito pelo não dito – o que não é exatamente uma novidade – ou o Ministério Público se valerá do poder de decisão que tem e fará jus a sua real obrigação, que é defender o interesse do cidadão.

Eu espero com muita ansiedade que esse equívoco monumental seja corrigido, pois o país - representado aqui pelo Ministério da Educação - deveria mostrar, no mínimo, respeito por aqueles que se dedicaram e desgastaram.

E é preciso falar, é preciso reivindicar. Porque conivência gera reincidência.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A realidade em cena.

Todo material de apoio que tem a função de qualificar o trabalho em sala de aula é importante, por isso quero falar hoje sobre quatro filmes: “Coach Carter, Um Treino para a Vida”, “Escritores da Liberdade”, “Vem Dançar” e “Um Sonho Possível”. Todos são baseados em fatos reais e quero fazer um paralelo entre eles para pontuar alguns aspectos.


O filme “Coach Carter, Treino para a Vida” traz a história de um ex-jogador de basquete que foi convidado a ser técnico do time da escola em que jogou. O cenário: uma comunidade mergulhada na criminalidade, onde o jovem era totalmente desacreditado das suas possibilidades, inclusive pela própria escola. O técnico passou a exigir que os atletas fossem, antes de tudo, bons alunos, e cobrava deles extrema disciplina. O desfecho é maravilhoso, mas as barreiras que o técnico enfrentou para fazer seu trabalho foram diversas, dentre elas os próprios pais, os professores, a diretora da escola, enfim, a concepção geral era de que aqueles jovens já estavam perdidos, não iriam para a universidade, nem se quer havia um pensamento de que eles concluiriam o colegial, no entanto, o investimento e a credibilidade do técnico fizeram com que tivessem um futuro digno. A maior dificuldade, por incrível que pareça, não foram os jovens, mas o próprio “sistema”.


No filme “Escritores da Liberdade” o resgate não veio do esporte, mas sim das aulas de Inglês que se tornam verdadeiras válvulas de escape através de diários. O cenário: o mesmo que o descrito anteriormente, e as dificuldades da professora eram, em geral, as mesmas. Ela chegou à escola cheia de projetos e se deparou com professores desiludidos que estavam meramente despejando suas respectivas disciplinas nos alunos, mantendo-se alheios a precariedade da escola e a realidade da comunidade. Quando a professora propôs mudanças e sugeriu estratégias, foi barrada pelos professores, pela direção da própria escola, e até mesmo por um órgão que equivale às secretarias de educação. Nem a livros os alunos tinham acesso para não estragá-los. Nesse contexto estarrecedor a professora abriu mão de praticamente toda a sua vida para dedicar-se aos alunos. A dedicação e a fé da professora mostraram que o investimento em uma juventude que todos consideravam perdida pode fazer dela um instrumento importantíssimo da sociedade.


No filme “Vem Dançar”, como não poderia ser diferente, os adolescentes vinham do mesmo contexto com um agravante: o trabalho do professor se deu em uma turma que vivia à margem dos marginalizados, quer dizer, a história se passa com a turma de alunos em detenção de uma escola que já se encontra deteriorada. Os adolescentes eram adeptos ao Hip Hop e adoravam dança de rua, e percebendo isso o professor aproveitou o gosto pela dança para ensiná-los dança de salão (dança essa tida como uma prática extremamente elitista). Como a recusa, obviamente, foi muito grande, o professor usou de estratégias inusitadas para mostrar aos alunos que tudo é possível. Também encontrou obstáculos entre os professores e a escola, mas teve nos alunos o apoio que precisa para fazer a diferença.


E por fim o filme “Um Sonho Possível”, que não tem como protagonista o professor, mas sim, o aluno. É a abordagem da situação por um ponto de vista diferente. O filme conta a história de um garoto que sofreu traumas terríveis durante a infância ao ser separado da família devido à dependência química da mãe, e desde então é mandado de uma família pra outra pelo estado. Com relação a isso o filme mostra uma crítica sutil sobre o fato de famílias receberem um “salário” do estado para adotar uma criança e acabar fazendo isso apenas pelo dinheiro. Entretanto, em uma situação inesperada, a vida do garoto se cruza com uma família rica que o acolhe e investe tanto na sua educação quanto no seu desenvolvimento de uma forma geral. A mudança que o garoto e a família fazem na vida uns dos outros é fenomenal, e a persistência da mãe da família é ponto fundamental: ela é uma pessoa muito influente e incentiva tanto a escola quanto os professores a acreditá-lo. Em um papel secundário no filme aparece a única professora que percebeu potencial no garoto, reconhecendo suas potencialidades e explorando-as.


Ao pensar na resenha de cada filme, a impressão que se tem é de que são dramas cinematográficos que, através de um roteiro programado, tem início, conflito, clímax e fim. Mas não. São histórias verídicas que tiveram desfechos felizes devido ao emprenho de pessoas que acreditaram em um ideal e trabalharam pra que isso acontecesse.


Os três primeiros filmes mostram professores que bateram radicalmente de frente com um sistema que, ao invés de resgatar os jovens da vida depreciativa que levavam, ajudava a empurrá-los cada vez mais para a marginalidade. Cada professor com uma estratégia diferente (basquete, expressão escrita e dança), resgatou os alunos na sua essência, ou seja, mostrando que eles tinham qualidades e que as mesmas podiam possibilitar um futuro diferente do presente. A lição que se tira disso é extraordinária, por que a situação dos professores ilustra, de fato, a realidade. Eles enfrentaram os obstáculos que principalmente a escola e o sistema educacional como um todo estipularam para um trabalho diferenciado, desde a falta de crédito para o trabalho realizado até o não investimento propriamente dito. Essas são questões cruciais. Passando por cima disso, o que é ainda mais importante de perceber é que os professores se mantiveram firmes em seus propósitos acreditando em seu trabalho e conquistaram o respeito de todos, principalmente dos alunos. Uma relação entre aluno e professor não pode ser baseada em outra coisa se não respeito e confiança mútua.


No último filme, como eu disse antes, o foco não é o trabalho do professor. Na verdade, é mais amplo, pois engloba a posição do estado frente às crianças que são retiradas da família por estarem em situação de risco, mas por outro lado são lançadas a própria sorte. Também mostra o comodismo de professores a ponto de não trabalhar a particularidade de um aluno, e sim, taxá-lo e ignorar suas necessidades especiais. Em contra partida, mostra o compromisso de uma mãe de família rica e com uma estrutura familiar organizada, que se sensibiliza e move céus e terras para proporcionar uma vida digna a alguém que não tinha chances. Relaciono essa história com as outras três porque, por mais que a família tenha investido e tirado o garoto de uma realidade degradante, o ponto fundamental para que ele conquistasse autonomia e dignidade foi a educação.


Esses são filmes que nos possibilitam profunda reflexão sobre a educação. Vendo o que essas pessoas fizeram pela educação e pelas pessoas, me questiono: existe limite? Quantas vezes ouve-se o discurso de que não é possível fazer, ou que é um trabalho a longo prazo, ou ainda que a sociedade não colabora, e assim por diante. Mas imaginem vocês se, como nas histórias mostradas nos filmes, a atitude partisse do professor. E não me refiro a um ou outro professor, e sim a todos. A mudança seria feita e todo o sistema educacional que é extremamente falho se obrigaria a trabalhar, a investir. Se é fácil? Claro que não, e os próprios filmes mostram o leque de dificuldades. No entanto, a missão do professor precisa vir acima de tudo. Sua prioridade precisa ser o aluno e sua real necessidade, sua especificidade, seu desenvolvimento e sua participação na sociedade. Isso significa o desenvolvimento integral do ser, e é só assim que a valorização do jovem marginalizado como ser humano passará a acontecer.