Muito vejo sendo dito, nos últimos dias, sobre a diminuição
da maioridade penal. Muito já opinei e compartilhei nas redes sociais. Muito já
li. Muito já refleti sobre o que escrever. E resolvi escrever no blog por dois
motivos: primeiro, é onde despejo minhas ideias; segundo, porque assim só lê
quem quer e não obrigo ninguém a ficar descendo textos imensos na barra de
rolagem. Democracia.
O que acalorou essa discussão que estava adormecida há
tempos foi o fato de um rapaz ter sido assassinado na entrada de casa por um
menor, esse que por sua vez estava praticando um assalto e atirou mesmo depois
do rapaz já ter lhe dado o que queria. Todos os noticiários transmitiram imagens e entrevistas da
família que pede, inconsolavelmente, justiça. O que mais uma família
despedaçada e mergulhada na dor e na revolta pediria?
Mas que justiça é essa? A diminuição da maioridade penal?
Não. E isso não é única e exclusivamente a minha opinião, é FATO. E não são as
pessoas que no momento estão sofrendo e buscando forças para superar que devem
decidir isso, mas sim quem está em condições de legislar imparcialmente.
Já conversei incansavelmente, anos a fio, a esse respeito
com as mais diversas pessoas das mais diversas áreas e o consenso é sempre o
mesmo. O adolescente possui um estatuto próprio porque está em uma fase
particular de desenvolvimento. Esse estatuto foi criado para garantir seus
direitos enquanto ser humano negligenciado e, SIM, seus deveres enquanto
indivíduo que descumpre as leis que estão garantidas na nossa constituição,
assim como qualquer outra pessoa.
Tenho que dizer que esse discurso ultrapassado e fraco de “o
adolescente pode fazer o que quiser e sabe que pode, pois nada garante que
alguma coisa aconteça com ele” me cansa muito. O Estatuto da Criança e doAdolescente (ECA) tem, do artigo 103 ao 125, detalhadas todas as medidas
aplicáveis quanto as práticas de atos infracionais. No artigo 111, que trata
das garantias processuais, nada difere do que é garantido a um indivíduo maior
de idade no que diz respeito a responsabilidades – a não ser o direito de
solicitar os pais ou responsáveis.
Digo mais, o ECA tem assegurado ao adolescente práticas que
deveriam ser adotadas pelo sistema carcerário – se fosse para elas acontecerem
de fato e não só no papel, pois defende tratar o indivíduo com dignidade para
que ele possa assim ser reinserido na sociedade, e não pra que volte paras as
ruas bandido mais competente do que saiu delas.
O artigo 121 expõe, talvez, a questão mais polêmica: a
prisão – tratada no ECA como internação. O adolescente pode SIM ser julgado e
ter sua privação de liberdade determinada, no entanto, é uma medida extrema e
que vai de acordo com a gravidade do seu delito. Eis aqui mais um exemplo: como
pode um ladrão de bolsas ficar preso junto com um chefe de tráfico? Como podem
duas pessoas que cometem crimes tão diferentes serem sujeitos ao mesmo caos? E
não me venham falar que um fica preso um ano e o outro dez, porque sabemos
muito bem que isso nem sempre é verdade. O ECA explora todas as outras medidas
possíveis, destruiu: conserte, lesou: ressarça... Isso é educação. Quando o
crime é grave (como assalto a mão armada, assassinato, estupro...) a liberdade
do indivíduo é tirada e é investido na sua educação mesmo dentro das fundações.
Isso é só um resumo do ECA feito de forma bem parca, apenas
para ilustrar a quem interessar possa que o adolescente não está no mundo a
passeio, que ele tem seus direitos garantidos por ter uma sociedade inteira o
negligenciando. Dito isso leio mais comentários: “mas cada um sabe o que faz,
ninguém é inocente a ponto de matar e se fazer de coitadinho...”
Primeiro: o adolescente não é “coitadinho”. Termos
pejorativos nesses debates só mostram o despreparo de quem os usa. O adolescente
é negligenciado quando é membro de uma família desestruturada (e não digo
financeiramente, mas de forma geral), quando não tem acesso a uma educação de
qualidade, quando está inserido em uma sociedade discriminatória, quando
encontra dificuldades IMENSAS em encontrar o seu primeiro emprego, enquanto que
ganhar dinheiro de forma ilícita é tão simples, quando tem em chefes do tráfico
mais proteção do que nos policiais que deveriam significar segurança...e quando
tem em seus líderes e governantes exemplos impunes de corrupção e
desonestidade.
Se tudo isso não acontece não é porque não existe lei que
garanta, mas sim porque não há quem faça essa lei ser cumprida. O Brasil tem
uma deficiência gigante quanto à estrutura de acolhida para esses adolescentes,
muitos são julgados, mas não podem cumprir sua sentença por não existirem vagas
considerando que as fundações para internações são raras. Devido a esse mesmo
problema, muitos juízes optam em determinar serviços comunitários, pois assim é
garantido que se cumpra.
Em grande parte das fundações, apesar de atenderem os
adolescentes, o trabalho realizado torna o lugar uma mini cadeia, pois faltam
profissionais capacitados para desempenhar o trabalho necessário e, aos que
existem, a remuneração oferecida é totalmente incoerente com a função.
Sem contar que tudo isso, fundações, sentenças, medidas, são
RESULTADOS e precisamos nos preocupar urgentemente com as CAUSAS.
Se o país não oferecer uma estrutura social AGORA para
todos, o número de adolescentes infratores – assim como de adultos infratores –
só aumentará e nunca haverá vagas suficientes em fundações ou presídios. A
sociedade precisa “parir” pessoas melhores, seres humanos mais humanos e
cidadãos mais cidadãos.
Essa é a ÚNICA medida que levará todos a um país sem
violência – ou pelo menos com índices menores – onde o adolescente estará sendo
adolescente e desfrutando de sua juventude e a sociedade estará progredindo
rumo a um futuro cada vez mais próspero.
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