domingo, 12 de dezembro de 2010

Tráfico educacional?

Não tem nem como usar um meio termo para o assunto de hoje, é simplesmente estarrecedor. O Zero Hora – jornal de grande circulação em Porto Alegre - dominical de 12 de Dezembro de 2010 trouxe a tona uma questão que de tão absurda chega a ser surreal: a venda, sim, VENDA de trabalhos escolares por professores particulares.

A reportagem “negociou” com professores um suposto trabalho de matemática para a 7ª série, e a surpresa foi que de oito professores, cinco aceitaram a missão. A negociação ocorre de forma tão natural que chega a ser assustadora. Os professores em momento algum cogitaram dar aulas para ensinarem o conteúdo que o suposto aluno teria dificuldade. Muito pelo contrário, deram dicas e sugestões que mostra o quão comum é, em sua rotina, tal absurdo. Um trecho da entrevista mostra claramente a estratégia: “Vou fazer como se fosse aluno. Vou fazer bem como se ele tivesse envolvido, até que nem posso fazer isso, né? Teria de dar aula e ele fazer”. Ainda aconselham a passar o trabalho a limpo, para não gerar suspeita.

Agora, como explicar isso?

Na própria matéria apresentada pelo jornal, uma profissional da educação afirma que tal ato se deve a estrutura falha do sistema de reprovação, gerando este uma sensação de fracasso e derrota. Ok, eu até concordo. Mas há como eximir de responsabilidades esses professores? E os pais?

Não, não tem como. Independente do sistema de reprovação ser falho, do próprio sistema educacional ser sucateado, enfim, do contexto não ser nada favorável, nada justifica professores que deveriam ENSINAR, orientar, honrar a proposta que fizeram ao assumir essa missão, se tornarem traficantes de conhecimento. É uma atitude tão desprezível que não consigo encontrar nenhum adjetivo para nomeá-la. Só tenho uma esperança: que isso seja punido com a severidade merecida.

Agora, falando dos pais: COMO ASSIM? Que espécie de pai compra um trabalho de final de ano assegurando que o filho passe de ano, mas não se preocupando em absoluto com o conhecimento adquirido e com o crescimento como aluno e como pessoa. E vou mais longe: que tipo de exemplo esses pais deram aos seus filhos ao tomar tal atitude? Fernando Becker, doutor em Psicologia Infantil e professor da UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul - declara que esses pais estão ensinando os filhos a delinquir. De acordo com ele, “Desse jeito, os filhos podem pensar assim: posso faturar uma grana fácil vendendo droga, por que não? É o extremo oposto de qualquer processo educacional. Quando um pai chega a esse nível, já tem um longo trajeto de concessões e de falta de atitudes enérgicas e de moral”.

É exatamente nesse ponto que eu queria chegar. Nessa situação o contexto problemático da educação no Brasil é extremamente secundário. O que vejo por parte dos professores é um oportunismo desmedido de pessoas sem nenhuma ética profissional nem respeito por nada nem por ninguém, e pelos pais um desespero por atingir os fins sem justificar os meios.

Isso é o retrato de uma sociedade que não dá importância ao trabalho, e sim ao resultado. A reprovação é um sistema que precisa ser revisto? Com toda certeza. Mas de que adianta pais lançarem os seus filhos para uma próxima série pelo simples fato de não ter um filho reprovado, sem este ter o conhecimento necessário? E digo mais: onde estavam esses pais na hora de fazer o dever de casa, acompanhar desempenho, participar de reuniões, conversar com professores, questionar coordenação, enfim, viver junto com seus filhos os desafios da vida escolar?

Sempre questiono e critico a educação no Brasil, porque de fato é uma das maiores deficiências do país, mas nesse caso não posso deixar de salientar o quão estarrecedoras foram as atitudes de professores e pais, e o quanto essas atitudes, infelizmente, terão um reflexo extremamente negativo sob os alunos e filhos.

Um comentário :

  1. É terrivelmente triste toda essa situação. A mensagem passada a esses jovens é de que tudo pode e que definitivamente os fins justificam os meios. A sociedade posta com posturas questionáveis, cada vez mais distante do direito à dignidade humana. Parabéns filha e que essa discussão amplie-se para os jovens e que os mesmo questionem esses pais que acredito, quero acreditar, não se percebem imorais nesse processo.

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