Me comprometi, durante a semana
que passou, em não escrever, me manifestar ou direcionar meu pensamento a nada
na Internet que não fosse a terrível tragédia que envolveu o Chapecoense de
Santa Catarina, vitimando 71 pessoas e causando uma comoção mundial. Conversei
com colegas que moram e trabalham em Chapecó, escrevi uma ou outra mensagem com
a hashtag #forçachape e mandei todas as energias positivas que me foram
possíveis para tantas famílias que estão hoje – e permanecerão por muito tempo
– despedaçadas.
Eu tenho grande dificuldade em
“lidar” com a morte, por assim dizer. Ela me choca, me entristece, me
amedronta. Então o abalo dessa semana foi imenso e muito próximo. No entanto,
muita coisa no cenário político do país também aconteceu e é preciso falar
sobre.
Na noite em que o mundo chorava
pelo time épico do interior de Santa Catarina, os “representantes do povo”
votavam questões decisórias para o país: a PEC 55 e a alteração da lei que
atingiria diretamente o andamento da Lava Jato. Não foi porque a população
estava em luto que as votações foram feitas, nem porque estava assistindo as
homenagens aos mortos nem porque estava distraída; há muito não se
preocupa com o que o povo pensa ou deixa de pensar. Há muito não se toma
cuidado com o que fazer ou como fazer. A falta de escrúpulos não foi votar “as
escondidas”. Foi simplesmente votar.
No dia ontem, 04/12/2016, uma
parcela da população saiu às ruas para protestar contra Renan Calheiros e
Rodrigo Maia, assim como para exaltar Sérgio Moro e sua atuação na Lava Jato.
Vejo inúmeras contradições que geram imensos perigos nisso tudo:
- Há uma gritante diferença entre os protestos dos estudantes (sejam eles universitários ou secundaristas) no que concerne a atuação da polícia. Nos episódios em que movimentos estudantis vão para a rua, assim como movimentos dos jornalistas livres ou qualquer outro que afronte diretamente o Presidente (interino) da República, há uma ostensiva ação de combate, de guerra. Enquanto estes não podem manifestar sua indignação (direito constitucional de cada cidadão que vive em uma democracia) sem correrem riscos absurdos – vide a manifestante que ficou cega, sim, CEGA – no dia de ontem havia um caminhão, trio elétrico ou algo do tipo defendendo a intervenção militar, isso mesmo, aquele negócio que é inconstitucional, sabe? Então, ali não houve nenhuma intervenção policial, nem tranquila nem truculenta, simplesmente fez-se de conta que nada se viu e a vida seguiu. Por que ignorar um ato criminoso? Um dos registros que melhor retratam isso é a foto, tirada de dentro de um dos salões de Brasília, de um coquetel refinado enquanto, ao desfrutar do mesmo, os que ali estavam presentes assistiam e registravam o absurdo que estava sendo feito no gramado do quintal com os manifestantes. Bem divertido!
- Os
discursos não batem. Havia um ódio quase físico da Presidente Dilma, um
ódio quase palpável. Se pedia o impeachment o tempo todo, mesmo isso
significando o Brasil estar nas mãos do trio Temer, Cunha e Calheiros
tendo um congresso e um senado praticamente sem oposição (é preciso ser
muito ingênuo para não se reconhecer o risco). Havia todo esse ódio mesmo sem Dilma ter seu nome mencionado nas delações premiadas nem nas listas da
Odebrecht, ou em qualquer dos muitos lugares onde se procurou na Lava
Jato. O pessoal nunca se perguntou porque um congresso e um senado cheio
de banditismo odiava tanto assim a presidente? Ora, a mim sempre foi
lógico que ela representava uma ameaça. Em meio a um teatro bem
arquitetado o impeachment foi aprovado. Na mesma semana as tais “pedaladas
fiscais” – motivo alegado para o afastamento da presidente, receberam uma
maquiagem e foram legitimadas. Pronto, tudo resolvido. O país pode
continuar fazendo o que sempre fez (vide governo de FHC) e fica tudo
certo. As mesmas pessoas que pediam incansavelmente a saída da Dilma
admitem Temer que, no vulgo linguajar popular, é mais sujo que pau de
galinheiro, atuando na presidência da república. Aquele brasão do “primeiro
a gente tira a Dilma, depois o Temer”, como eu disse inúmeras vezes, é a
maior ingenuidade que se poderia ter (para não dizer mau-caratismo, cada
um tira as conclusões que quiser). Quem tira? O congresso? O Senado?
Instâncias que tem a maioria da bancada composta por PMDB e coligados?
Vamos, lá! Quem tira? Não tira, minha gente, muito pelo contrário, mantém,
blinda, aprova medidas que jamais seriam aprovadas não fosse esse o
contexto. Como o Brasil pode ter uma massa tão manipulada a ponto de não
perceber? E nem entro no mérito de esquerda X direita, mas sim de análise
mesmo. Bom senso. Como disse o deputado federal Rodrigo Maia essa semana, “o
congresso não é obrigado a ouvir o povo, isto aqui não é como um cartório
onde a gente carimba o que o povo está pedindo”. Alguém pode avisar esse
senhor que ele está completamente equivocado, por gentileza?
- Ainda
relacionado ao tópico anterior, os tais “protestos” de ontem foram
organizados por movimentos como o MBL, grandemente financiados por
partidos (principalmente o PMDB). Resultado? Em Brasília um carro de som
avisou que não era uma marcha “Fora Temer”, que há plena confiança no
presidente. Enquanto isso, o empresário Rogerio Chequer do movimento Vem pra Rua diz que “não é o caso de lutar para mudar um governo sem ter um
movido decente para isso”. Sério? Como uma massa, se não manipulada por
movimentos extremamente parciais, consegue defender tamanha besteira sem
ao menos argumentar, pensar? Vejam que coisa patética: “nossa manifestação
não é contra o honrado presidente Temer, mas sim quanto a tudo que ELE,
sim, ELE ESTABELECEU”. Como assim? Alguém me explica?!
- Por que
o brasileiro precisa de um herói? Quando Lula foi eleito, foi tido como o
herói do pobre. Que a vida do pobre melhorou, isso é fato (hey, bro, me
incluo nesse balaio). As facilidades de financiamento e crédito de todas
as origens, assim com a instituição do PROUNI, a ampliação do FIES e a
criação/ampliação de tantas universidades e escolas técnicas melhorou
consideravelmente o nível de vida do brasileiro, oportunizou conquistas
nunca sonhadas por uma parcela grande da população. No entanto, Lula não
foi herói. Fez diversas alianças que contrariavam (e contrariam) todo o
princípio ético de uma dita esquerda que se sentiu traída. Na época do
julgamento do mensalão, o então herói virou Joaquim Barbosa, que homem
justo e idôneo, que pessoa maravilhosa. A decepção veio depois, ao se
levantar que Joaquim Barbosa também era suspeito de enriquecimento
ilícito. Heróis foram surgindo e sendo derrubados aqui e ali, e no auge da
Lava Jato o herói da vez é o Juiz Sério Moro. Este que tem uma postura
bastante parcial ao fazer/emitir suas análises. Já foi apontada, num
passado recente, sua ligação com alguns partidos políticos que
coincidentemente tem sua aparição na Lava Jato bastante minimizadas. É
preciso estancar essa necessidade de alimentar uma dicotomia, não há
mocinho e bandido, não há herói sem um percentual de vilão nem nos filmes
da Marvel (vide Guerra Civil), e a partir do momento que o povo começa a
idolatrar alguém, simplesmente se fecha os olhos para todo o resto. Essa
postura, além de nociva, é extremamente perigosa. Foi isso que a Alemanha
fez com Hitler.
- E por
fim me impressiona e enoja a parcialidade de toda a pútrida grande mídia,
sem exceção. Ontem houve uma cobertura inacreditável desse circo patético
regado a vergonha alheia apelidado de manifestação. Alguém viu algum
manifestante levantar algum questionamento sobre a PEC 55? Não né! Alguém
viu o Fantástico, em algum momento desse ano, fazer um programa inteiro
com notícias sobre as ocupações nas escolas e universidades mostrando,
além da ocupação em si, a organização e as pautas levantadas pelos
universitários e, principalmente, os secundaristas? Não, né. Alguém
reparou como dezenas de vezes os repórteres utilizam o adjetivo “pacífico”
aliado a qualquer substantivo que faça referência à manifestação, frisando
que a manifestação verde e amarela não tem confusão? Alguém associou esse
fato ao detalhe da manifestação verde amarela não precisar se preocupar em
nenhum momento sobre como se defender de acuação, bomba de efeito moral,
cassetete e bala de borracha? Não, né. Alguém percebeu que a manifestação
canarinha não contava com pelotão de choque e cavalaria acompanhando os
manifestantes? Não né.
É importante esclarecer que, no
meu ponto de vista, toda manifestação contra uma ordem vigente criminosa é
válida DESDE QUE as pessoas saibam o que estão falando. É preciso falar sobre
política com menos ódio e mais clareza. Ontem, em uma das cidades em que se
noticiou manifestação, havia ao lado do boneco inflável do Renan Calheiros um
outro do Lula. Qual é a moral? Qual é sua parte nesse governo? Qual é a relação
dos protestos com ele? Ele está sendo investigado, está prestando contas, e não
está no governo propondo ou aprovando medidas esdrúxulas. Há um interesse tão imenso em condená-lo que, se houver motivo para isso, certamente será descoberto.
Independente de defender uma
política com ideologia de esquerda ou de direita, precisamos em uníssono (e sem essa polaridade burra) defender uma política honesta. Essa ruptura da população é o combustível que
alimenta tudo que está nos sendo posto goela abaixo. Não importa a corrente filosófica,
o momento agora exige reflexão. Deixemos as torcidas inflamadas de paixão para o
campeonato brasileiro/copa do brasil/copa libertadores de 2017! Política não é futebol.